sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Um artigo.

Este é um artigo escrito pela Ruth de Aquino, colunista da Época. Foi publicado em Novembro de 2007 (sim, faz um tempinho já).
Ela faz uma crítica do livro da Mônica Veloso: "O poder que seduz".Vale a pena ler pela ironia e as frases bem-humoradas.



"Um livro escrito nas coxas. Mas que coxas.


Mônica Veloso, 39 anos, com o bronzeado e o corpão que conquistou o senador Renan Calheiros, parecia tudo – menos uma escritora – no fiasco do lançamento de seu livro O Poder que Seduz, num restaurante de São Paulo, na quarta-feira à noite. Com um vestido verde-bandeira longo e esvoaçante, decote profundo, laçarote às costas, brincos de brilhante de R$ 60 mil, anel de brilhantes de R$ 70 mil, cabelos à moda de princesinha, penteados para trás com ajuda de laquê, Mônica Veloso (desculpe, não dá para chamar de jornalista) parecia estar num baile. Preparou-se para enfrentar a fila de autógrafos. Mas, não havia fila. Só flashes e imprensa. Quem comprou o livro “sobre os bastidores de Brasília” foi um bando de cupinchas. O advogado de Mônica, o dentista, a designer das jóias, a comadre, a amiga citada na página tal, o cineasta amigo que vê em Mônica uma atriz nata. Três horas após o início do lançamento, 10 exemplares do livro “explosivo” de Mônica tinham sido vendidos. O que torna no mínimo curiosa a informação “oficial”: segundo assessores, 104 exemplares teriam sido autografados no restaurante Trindade, no bairro de Itaim-Bibi, onde a especialidade é frigideira de polvo a R$ 22. Convidados e, principalmente, jornalistas consumiram 20 garrafas de espumante e 800 salgadinhos, entre eles 200 bolinhos de bacalhau.
Agora, Mônica tem quem fale por ela: assessora, agente, empresário, assessora de empresário, e departamento de marketing. Na véspera do lançamento, a pressão era tanta que Mônica estava no hotel, de cama, com “uma virose”, segundo Lu, a chefe das assessoras. O livro foi escrito muito rapidamente. Pelo texto final, pode-se concluir que foi escrito “nas coxas” (e que coxas). Tudo para vender no Natal, segundo Mônica. Quando uma repórter quis saber se esperava vendas expressivas, ela exclamou: “Deus te ouça! Tenho duas filhas para criar!”. O livro custa R$ 34,90, e é publicado pela Editora Novo Conceito. Até a página 117, Mônica descreve Brasília como se fosse uma colegial adolescente, e fala de seu sucesso na TV Globo como “a musa do Planalto”. Cita Clarice Lispector sem a menor cerimônia. As observações de Mônica têm, no mínimo, pouca complexidade: “Gente é coisa que às vezes não se vê em Brasília. Ao menos se locomovendo sobre as pernas”. Ou: “Quando você se deixa levar pela energia da natureza, percebe a religiosidade sussurrante que viaja com o vento de Brasília”. E ainda: “No começo, Brasília não tinha voz, alma ou sentimento, pois vivia em uma arte alienígena, em um olhar estrangeiro sobre o que ela ainda não era, mas deveria ser”. E então?
Essa primeira e alentada parte do livro, tão injustamente ignorada pela grande imprensa, revela muito de Mônica. Revela, por exemplo, por que a ex-amante de Renan considera o auge de seu resgate moral ter posado para a Playboy. É verdade. Está ali seu verdadeiro talento, indiscutível. E que lhe rendeu um cachê de R$ 400 mil. Mônica encerra o livro com uma cena emocionante: ela viu, na rua, que estava em duas capas de Playboy simultaneamente. A dela e a da edição especial de fim de ano. “Foi uma emoção confusa, êxtase e medo juntos”, escreve. Ok, mas ela estende sua emoção a todas as mulheres: “Só por ter dado uma injeção de amor próprio em minhas companheiras de sexo, o trabalho para a Playboy teria valido a pena”. Menos, Mônica, menos. O ensaio de nus também lhe trouxe “a possibilidade de ser ouvida”. “E mostrar meu caráter, minha cultura”. Assediada por jornalistas, elogiada por colunistas, Mônica caiu na armadilha. Começou a se levar a sério como “a mulher que abalou a República”. E resolveu escrever profissionalmente, coisa que nunca tinha feito na vida – ela só lia na TV o que outros escreviam.
Pela contracapa e pela orelha de “O Poder que seduz”, já se tem uma idéia da qualidade do conteúdo. É um amontoado de clichês de deixar constrangido qualquer leitor que não seja amigo ou parente de Mônica Veloso. Na contracapa: “Os tentáculos cor-de-rosa da sedução infiltram-se pelas relações. Lascivos, eles cingem o lobista e o político em um mesmo abraço, assim como entrelaçam jornalistas e parlamentares. A jornalista (sic) Mônica Veloso, bela e talentosa, viveu esse mundo intenso de anseios e sensações que permeia a vida na Capital da República”. Muito excitante. Ainda segundo a contracapa, Mônica deseja com o livro “semear o hábito da discussão entre os brasileiros”. Sobre a autora, a orelha a classifica de “jornalista, radialista e professora”. Ela seria precursora da tendência multimídia. “Ao mesmo tempo em que trabalhava na tevê (como apresentadora), Mônica se formou em jornalismo pela faculdade CEUB, apresentou programas de rádio, montou as primeiras lojas de ponta de estoque de grife em Brasília e ministrou cursos”. Um fenômeno. Nunca entrevistou ninguém. De acordo com a orelha, “Mônica montou também uma produtora de vídeo que atuou intensamente em marketing político”. Isso deve ter dado à morena o know-how para ter casos com políticos influentes.
Na capital, até hoje, é chamada por conhecidos de “alpinista social”. Não ficou no meio da escalada. Contou com a ajuda inestimável do amante Renan Calheiros – chamado de “bobo” pela esposa Verônica. Foi Renan quem tornou Mônica conhecida no país, como “a gestante” de Maria Catharina, agora com três anos. Da primeira imagem de mulher fatal com óculos escuros no carro, em maio deste ano – quando estourou o escândalo das pensões pagas por Renan com ajuda de um lobista da construtora Mendes Júnior – até agora, Mônica já viveu bem mais do que 15 minutos de fama. Parece feliz. Vai ganhar um programa de televisão. Provavelmente de entrevistas. Ela diz que pretende se inspirar em Marília Gabriela.
O prefácio do livro de Mônica é assinado pelo psicanalista Luiz Cuschnir, “precursor do Masculinismo” (!!!). Ele pontifica não ser coincidência que “a palavra Poder é masculina e a palavra Sedução é feminina”. Daí em diante, ele desfia pérolas como “um amor desfeito tem o poder de uma bomba de alto potencial bélico”. E, em defesa de Mônica: “A mulher, quanto mais bonita, tem de ressaltar seu potencial cultural, profissional e ético, para não ser colocada no rol das que se aproveitam da beleza para galgar seu espaço como Ser em sua totalidade”. Muito apropriado para a autora. Sobre o romance com Renan, diz que Mônica “corria o risco de estar sujeita a um cativeiro emocional”. O psicanalista termina seu prefácio com um conselho: que a mulher admire o homem “como homem e não como um ser mágico e encantador, um príncipe que a libertará de um castelo que a protege do mundo malvado”.
Mônica reclama da “exposição negativa” e diz que, com o livro, quis dar a “versão verdadeira” do romance com Renan Calheiros. Compara seu livro aos Ensaios do nobre francês Michel de Montaigne em 1580, por misturar “notícias e comentários”. Na apresentação, Mônica escreve que o tom de seu livro é de “crônica, quase poesia”, seja lá o que significa esse novo gênero. Mônica diz que amou loucamente Renan. Mas, por precaução, gravou conversas com ele quando ainda estava grávida. O mais impressionante é o tom abertamente piegas do livro, não as revelações. “Música, perfume e um certo torpor. Champanhe na mão, conversávamos e sorríamos após o jantar (na casa do senador Ney Suassuna). Havíamos brindado por mais um ano, o intenso ano de 2002. Do jardim, apreciávamos a noite de Brasília, o céu riscado por fogos e luzes, miríades de cores e chuvas de prata abençoando a cidade”. É de doer.
Pelo livro, ficamos sabendo que Renan fingia que ia se separar, e que, no início do namoro, “ele estava meio gordinho, mas fez dieta”. Ficamos sabendo também que o casalzinho ia a festas, que Mônica era tratada “com deferência” no Senado, que para o Renan ela era “uma rosa única entre milhões de rosas”, que o presidente do Senado cantarolava “Eu sei que vou te amar” de noite ao telefone, e que queria pular carnaval de rua com ela na Bahia. A “música marcante” do casal era do filme Lisbela e o Prisioneiro – fácil saber quem era quem – e o refrão favorito: “agora, que faço eu da vida sem você?”. Mônica chamava Renan de “docinho”, “de tão meigo que ele era”, mas o senador entrou em pânico quando ela disse estar grávida. Mônica escreve que amou Renan “com a alma, com tudo que há de mais puro no meu ser”. A sensação é que os trechos mais sinceros de seu livro se referem aos do ensaio para a Playboy: “Na primeira foto em que apareceu o bumbum, o (fotógrafo) Duran vibrou com aquela visão de borboletas e flores em uma região tão íntima”.
O que Mônica pratica com esse livro é o que os ingleses chamam de “kiss and tell”. Uma prática de caráter duvidoso: revelar particularidades íntimas de um romance – e tentar ganhar dinheiro com isso. A editora acha que Mônica venderá 100 mil exemplares.
Todos nós, quando apaixonados, somos em algum momento patéticos. Depois de escrever tudo o que escreveu, Mônica deu entrevistas no lançamento dizendo, entre sorrisos posados e sob maquiagem pesada, que “respeita muito o Renan”. Ela se considera “muito reservada”, e por isso não quer expor a vida pessoal, em defesa de sua “privacidade” e a de suas filhas. Então, vamos combinar que acreditamos em Mônica e nos seus cílios imensos.
Minha avó chamaria Mônica de “lambisgóia” ou de “sirigaita”. Mas, minha avó não é mais viva, e, hoje, esses termos caíram em desuso. Então, digamos que Mônica é, como escreveu Arnaldo Jabor, “o único bem declarado de Calheiros, que apareceu de fato”. Nada de bois magros e fantasmas, nem cheques falsos ou rádios de laranjas. Uma mineira de carnes opulentas, que, ao fim do livro, constata “que a vida caminha mesmo em círculos”. Escreve a ex-amante de Renan no parágrafo final: “A essência que cada um carrega dentro de si, por mais sufocada que seja, florescerá um dia para iluminar nossas escuridões e varrer nossos medos, como o sol vermelho e o vento noturno do Planalto Central”. Você daria esse livro a quem de presente de Natal?"

Fonte:http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80265-9554-497,00.html

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