Sou, sim, um rapaz comum de 30 anos de idade, casualmente feliz, casado, pai de um filho, bem empregado e assalariado. Como se essas qualidades já não bastassem para uma vida despretensiosa e tranqüila, decido presentear meu filho com um cubo de Rubik para exercitar sua mente. Em algumas horas, o garoto abandona o brinquedo sem completar as cominações. Quero encorajá-lo a tentar, por isso, começo a montar o cubo com bastante calma e nenhuma pressa.
No começo, dedico duas horas de meus dias à sua realização. As horas aumentam e viram dias. Os dias aumentam e viram meses. Os meses aumentam e se tornam anos. Até que dois anos, 23 dias e algumas horas depois, finalmente, completo o cubo. Vou correndo avisar meus familiares, mas não há ninguém em minha casa. Fui abandonado do mesmo jeito que meu filho abandonou o cubo. Então percebo que, em todo esse tempo, o cubo de Rubik fora a única coisa com a qual meu pensamento se preocupou. Perdi o emprego, minha esposa e meu filho se mudaram para outra cidade, meu pai faleceu, minha mãe não quer falar comigo e minha casa cheira a mofo.
Três anos se passam, sou um alcoólatra de 33 anos de idade, certamente deprimido, sozinho, desempregado e perto de ser despejado. A imagem do cubo me assombra. Rubik me prende em meus pensamentos dizendo-me para completá-lo mais uma vez. Vejo sua forma quadrada em qualquer coisa especular que me aparece. Sonho com os números de suas combinações me engolindo.
Decido procurar ajuda psiquiátrica. Minha vida ainda saboreia as gotas de esperança, mas sabe que o poço é grande e uma só inclinação em falso pode colocá-la em seu fundo para o resto do tempo. O médico entra na sala, mas não estou mais acostumado com a presença do ser humano ao meu lado. Só consigo ver o maldito cubo quadrado retificando qualquer curva e imperfeição da natureza. As alucinações explodem dentro de minha cabeça. Elas são tão poderosas que me impedem de perceber que eu estrangulo o médico até ele parar de respirar. A plícia chega e sou internado em um manicômio.
O tempo passa, mas não sei quanto. Espero só o fim de minha vida. Nada mais me preocupa. Só quero que o sofrimento acabe. Só minha morte importa agora, o cubo passa de razão a um mero motivo. Não há esperanças.
O fim tarda a chegar e meu desejo por ele impede a conciliação de minha mente com o meio a minha volta, o hospício. De repente, paro de pensar no que pensei todos esses últimos anos em que estive internado. É como se eu estivesse acordado. Via os enfermeiros trabalhando, os enfermos ao meu redor. Era a cura? Não. Entendo o porquê do meu despertar: olho para baixo e no meu colo há algo. Uma caixa com uma séria de passatempos. Viro e reviro sem pretensões. Até que, de repente, o cubo aparece. Tenho um surto psicótico e jogo o brinquedo na parede. Acanho-me debaixo do lençol de minha cama e fico de olhos fechados por alguns minutos, quando percebo que uma luz muito forte açoita minhas pálpebras. Abro os olhos e não acredito no que vejo: uma espécie de portal se abre diante da parede de meu quarto, projetado pelas peças quadradas do cubo mágico arrebentadas no chão do hospital. Caminho em direção à luz sem medo. É a minha morte.
Fico tonto e fecho os olhos. Quando os abro, percebo que estou em um lugar desconhecido. Pessoas passam por mim falando uma língua estranha. Pergunto onde estou, mas ninguém me entende. Até que, aparece um homem que pergunta, na minha língua, se eu preciso de ajuda. Agradeço a ajuda e começamos a conversar.
O rapaz notifica que estamos na Hungriga, no ano de 1974. Mais uma alucinação? Dessa vez não. Estou no ano e no lugar onde foi inventado o pequeno objeto que arruinou minha vida. Voltei no tempo. Era a chance que eu precisava para acabar com meu sofrimento e reajustar minha vida. Eu preciso impedir a invenção do cubo. Preciso matar Ernõ Rubik, o homem que, por acidente, devastou tudo o que eu tinha.
Pergunto ao meu informante se ele conhecia o tal inventor. Ele sabe e ainda diz que o homem está coordenando um evento sobre novas invenções por toda a Europa. Loucura? Não. Tenho certeza que não. Estou mais lúcido do que nunca. Alguém me deu a chance de acabar com o que me acabou. Fui eu? Foi Deus? Foi o cubo? Sei lá, não me importa absolutamente nada. Apenas que eu não posso desperdiçar a oportunidade. Agradeço o informante e me direciono ao endereço indicado por ele
Chego ao lugar minutos depois. Deparo-me com um edifício com um quintal bem vasto repleto de estandes e várias pessoas. Falo o nome Ernõ Rubik entre as pessoas, na esperança de que me falem onde ele se encontrava. Não obtenho muito sucesso. De repente, avisto um grupo grande reunido. Ando em sua direção e percebo que há um senhor no meio dessas pessoas mostrando algo. Era o cubo mágico de Rubik. Saio correndo em direção ao velho. Nada mais racional veio à minha cabeça do que matar o sujeito. Pulo em cima dele e começo a enforcá-lo. A multidão grita. Pessoas pulam em cima de mim para me impedir. Inutilmente pois nada me tira dali de cima. A polícia aparece e me imobiliza. É tarde. O homem, para minha felicidade, estava completamente morto.
A tarefa está completa. Já não me importa o que virá a seguir. Aquela saciedade neutraliza qualquer preocupação. Não tenho nem certeza se minha vida voltará a ser como antes. Nem se eu conseguirei retornar ao futuro. A saciedade era inatingível perante a qualquer coisa.
Aproveitando a confusão, consigo fugir dos guardas. Escondo-me em um beco longe dali. Saio depois de algumas horas e, ao cruzar a esquina, me deparo com uma daquelas lojas de eletrodomésticos onde há televisões nas vitrines. Estava passando o noticiário local. Resolvo parar e tentar assistir. O noticiário começa a passar imagens do evento, da tragédia e tudo mais. Até que, em momento, aparece um sujeito sendo entrevistado sob a legenda de Ernõ Rubik e as imagens que se seguem mostram-no segurando o cubo pelo qual cometi o crime. Não quero acreditar no que estou vendo. Eu não matei Rubik e, muito menos, impedi a distribuição do cubo maligno.
Sinto canos de metal encostando-se a minhas costas. A polícia me rende. Levo uma cacetada na cabeça e adormeço.
Acordo em uma cama com o maldito cubo em meu colo. Sem esperanças de mais nada. Só esperando o fim de minha vida.
Pedro
Vitor
Raphael Salcedo
Rodrigo
Lucas Vieira
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