quarta-feira, 24 de setembro de 2008

José Saramago, Nobel de Literatura-1998, blogueiro

Palavras para uma cidade


Mexendo nuns quantos papéis que já perderam a frescura da novidade, encontrei um artigo sobre Lisboa escrito há uns quantos anos, e, não me envergonho de confessá-lo, emocionei-me. Talvez porque não se trate realmente de um artigo, mas de uma carta de amor, de amor a Lisboa. Decidi então partilhá-la com os meus leitores e amigos tornando-a outra vez pública, agora na página infinita de internet e com ela inaugurar o meu espaço pessoal neste blog.
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Palavras para uma cidade


Tempo houve em que Lisboa não tinha esse nome. Chamavam-lhe Olisipo quando os Romanos ali chegaram, Olissibona quando a tomaram os Mouros, que logo deram em dizer Aschbouna, talvez porque não soubessem pronunciar a bárbara palavra. Quando, em 1147, depois de um cerco de três meses, os Mouros foram vencidos, o nome da cidade não mudou logo na hora seguinte: se aquele que iria ser o nosso primeiro rei enviou à família uma carta a anunciar o feito, o mais provável é que tenha escrito ao alto Aschbouna, 24 de Outubro, ou Olissibona, mas nunca Lisboa. Quando começou Lisboa a ser Lisboa de facto e de direito? Pelo menos alguns anos tiveram de passar antes que o novo nome nascesse, tal como para que os conquistadores Galegos começassem a tornar-se Portugueses…
Estas miudezas históricas interessam pouco, dir-se-á, mas a mim interessar-me-ia muito, não só saber, mas ver, no exacto sentido da palavra, como veio mudando Lisboa desde aqueles dias. Se o cinema já existisse então, se os velhos cronistas fossem operadores de câmara, se as mil e uma mudanças por que Lisboa passou ao longo dos séculos tivessem sido registadas, poderíamos ver essa Lisboa de oito séculos crescer e mover-se como um ser vivo, como aquelas flores que a televisão nos mostra, abrindo-se em poucos segundos, desde o botão ainda fechado ao esplendor final das formas e das cores. Creio que amaria a essa Lisboa por cima de todas as cousas.
Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. Memória que é a de um espaço e de um tempo, memória no interior da qual vivemos, como uma ilha entre dois mares: um que dizemos passado, outro que dizemos futuro. Podemos navegar no mar do passado próximo graças à memória pessoal que conservou a lembrança das suas rotas, mas para navegar no mar do passado remoto teremos de usar as memórias que o tempo acumulou, as memórias de um espaço continuamente transformado, tão fugidio como o próprio tempo. Esse filme de Lisboa, comprimindo o tempo e expandindo o espaço, seria a memória perfeita da cidade.
O que sabemos dos lugares é coincidirmos com eles durante um certo tempo no espaço que são. O lugar estava ali, a pessoa apareceu, depois a pessoa partiu, o lugar continuou, o lugar tinha feito a pessoa, a pessoa havia transformado o lugar. Quando tive de recriar o espaço e o tempo de Lisboa onde Ricardo Reis viveria o seu último ano, sabia de antemão que não seriam coincidentes as duas noções do tempo e do lugar: a do adolescente tímido que fui, fechado na sua condição social, e a do poeta lúcido e genial que frequentava as mais altas regiões do espírito. A minha Lisboa foi sempre a dos bairros pobres, e quando, muito mais tarde, as circunstâncias me levaram a viver noutros ambientes, a memória que preferi guardar foi a da Lisboa dos meus primeiros anos, a Lisboa da gente de pouco ter e de muito sentir, ainda rural nos costumes e na compreensão do mundo.
Talvez não seja possível falar de uma cidade sem citar umas quantas datas notáveis da sua existência histórica. Aqui, falando de Lisboa, foi mencionada uma só, a do seu começo português: não será particularmente grave o pecado de glorificação… Sê-lo-ia, sim, ceder àquela espécie de exaltação patriótica que, à falta de inimigos reais sobre que fazer cair o seu suposto poder, procura os estímulos fáceis da evocação retórica. As retóricas comemorativas, não sendo forçosamente um mal, comportam no entanto um sentimento de auto-complacência que leva a confundir as palavras com os actos, quando as não coloca no lugar que só a eles competiria.
Naquele dia de Outubro, o então ainda mal iniciado Portugal deu um largo passo em frente, e tão firme foi ele que não voltou Lisboa a ser perdida. Mas não nos permitamos a napoleónica vaidade de exclamar: “Do alto daquele castelo oitocentos anos nos contemplam” – e aplaudir-nos depois uns aos outros por termos durado tanto… Pensemos antes que do sangue derramado por um e outro lados está feito o sangue que levamos nas veias, nós, os herdeiros desta cidade, filhos de cristãos e de mouros, de pretos e de judeus, de índios e de amarelos, enfim, de todas as raças e credos que se dizem bons, de todos os credos e raças a que chamam maus. Deixemos na irónica paz dos túmulos aquelas mentes transviadas que, num passado não distante, inventaram para os Portugueses um “dia da raça”, e reivindiquemos a magnífica mestiçagem, não apenas de sangues, mas sobretudo de culturas, que fundou Portugal e o fez durar até hoje.
Lisboa tem-se transformado nos últimos anos, foi capaz de acordar na consciência dos seus cidadãos o renovo de forças que a arrancou do marasmo em que caíra. Em nome da modernização levantam-se muros de betão sobre as pedras antigas, transtornam-se os perfis das colinas, alteram-se os panoramas, modificam-se os ângulos de visão. Mas o espírito de Lisboa sobrevive, e é o espírito que faz eternas as cidades. Arrebatado por aquele louco amor e aquele divino entusiasmo que moram nos poetas, Camões escreveu um dia, falando de Lisboa: “…cidade que facilmente das outras é princesa”. Perdoemos-lhe o exagero. Basta que Lisboa seja simplesmente o que deve ser: culta, moderna, limpa, organizada – sem perder nada da sua alma. E se todas estas bondades acabarem por fazer dela uma rainha, pois que o seja. Na república que nós somos serão sempre bem-vindas rainhas assim.

José Saramago

Postado por Teca

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A maldição de Rubik


Sou, sim, um rapaz comum de 30 anos de idade, casualmente feliz, casado, pai de um filho, bem empregado e assalariado. Como se essas qualidades já não bastassem para uma vida despretensiosa e tranqüila, decido presentear meu filho com um cubo de Rubik para exercitar sua mente. Em algumas horas, o garoto abandona o brinquedo sem completar as cominações. Quero encorajá-lo a tentar, por isso, começo a montar o cubo com bastante calma e nenhuma pressa.
No começo, dedico duas horas de meus dias à sua realização. As horas aumentam e viram dias. Os dias aumentam e viram meses. Os meses aumentam e se tornam anos. Até que dois anos, 23 dias e algumas horas depois, finalmente, completo o cubo. Vou correndo avisar meus familiares, mas não há ninguém em minha casa. Fui abandonado do mesmo jeito que meu filho abandonou o cubo. Então percebo que, em todo esse tempo, o cubo de Rubik fora a única coisa com a qual meu pensamento se preocupou. Perdi o emprego, minha esposa e meu filho se mudaram para outra cidade, meu pai faleceu, minha mãe não quer falar comigo e minha casa cheira a mofo.
Três anos se passam, sou um alcoólatra de 33 anos de idade, certamente deprimido, sozinho, desempregado e perto de ser despejado. A imagem do cubo me assombra. Rubik me prende em meus pensamentos dizendo-me para completá-lo mais uma vez. Vejo sua forma quadrada em qualquer coisa especular que me aparece. Sonho com os números de suas combinações me engolindo.
Decido procurar ajuda psiquiátrica. Minha vida ainda saboreia as gotas de esperança, mas sabe que o poço é grande e uma só inclinação em falso pode colocá-la em seu fundo para o resto do tempo. O médico entra na sala, mas não estou mais acostumado com a presença do ser humano ao meu lado. Só consigo ver o maldito cubo quadrado retificando qualquer curva e imperfeição da natureza. As alucinações explodem dentro de minha cabeça. Elas são tão poderosas que me impedem de perceber que eu estrangulo o médico até ele parar de respirar. A plícia chega e sou internado em um manicômio.

O tempo passa, mas não sei quanto. Espero só o fim de minha vida. Nada mais me preocupa. Só quero que o sofrimento acabe. Só minha morte importa agora, o cubo passa de razão a um mero motivo. Não há esperanças.
O fim tarda a chegar e meu desejo por ele impede a conciliação de minha mente com o meio a minha volta, o hospício. De repente, paro de pensar no que pensei todos esses últimos anos em que estive internado. É como se eu estivesse acordado. Via os enfermeiros trabalhando, os enfermos ao meu redor. Era a cura? Não. Entendo o porquê do meu despertar: olho para baixo e no meu colo há algo. Uma caixa com uma séria de passatempos. Viro e reviro sem pretensões. Até que, de repente, o cubo aparece. Tenho um surto psicótico e jogo o brinquedo na parede. Acanho-me debaixo do lençol de minha cama e fico de olhos fechados por alguns minutos, quando percebo que uma luz muito forte açoita minhas pálpebras. Abro os olhos e não acredito no que vejo: uma espécie de portal se abre diante da parede de meu quarto, projetado pelas peças quadradas do cubo mágico arrebentadas no chão do hospital. Caminho em direção à luz sem medo. É a minha morte.
Fico tonto e fecho os olhos. Quando os abro, percebo que estou em um lugar desconhecido. Pessoas passam por mim falando uma língua estranha. Pergunto onde estou, mas ninguém me entende. Até que, aparece um homem que pergunta, na minha língua, se eu preciso de ajuda. Agradeço a ajuda e começamos a conversar.
O rapaz notifica que estamos na Hungriga, no ano de 1974. Mais uma alucinação? Dessa vez não. Estou no ano e no lugar onde foi inventado o pequeno objeto que arruinou minha vida. Voltei no tempo. Era a chance que eu precisava para acabar com meu sofrimento e reajustar minha vida. Eu preciso impedir a invenção do cubo. Preciso matar Ernõ Rubik, o homem que, por acidente, devastou tudo o que eu tinha.
Pergunto ao meu informante se ele conhecia o tal inventor. Ele sabe e ainda diz que o homem está coordenando um evento sobre novas invenções por toda a Europa. Loucura? Não. Tenho certeza que não. Estou mais lúcido do que nunca. Alguém me deu a chance de acabar com o que me acabou. Fui eu? Foi Deus? Foi o cubo? Sei lá, não me importa absolutamente nada. Apenas que eu não posso desperdiçar a oportunidade. Agradeço o informante e me direciono ao endereço indicado por ele
Chego ao lugar minutos depois. Deparo-me com um edifício com um quintal bem vasto repleto de estandes e várias pessoas. Falo o nome Ernõ Rubik entre as pessoas, na esperança de que me falem onde ele se encontrava. Não obtenho muito sucesso. De repente, avisto um grupo grande reunido. Ando em sua direção e percebo que há um senhor no meio dessas pessoas mostrando algo. Era o cubo mágico de Rubik. Saio correndo em direção ao velho. Nada mais racional veio à minha cabeça do que matar o sujeito. Pulo em cima dele e começo a enforcá-lo. A multidão grita. Pessoas pulam em cima de mim para me impedir. Inutilmente pois nada me tira dali de cima. A polícia aparece e me imobiliza. É tarde. O homem, para minha felicidade, estava completamente morto.
A tarefa está completa. Já não me importa o que virá a seguir. Aquela saciedade neutraliza qualquer preocupação. Não tenho nem certeza se minha vida voltará a ser como antes. Nem se eu conseguirei retornar ao futuro. A saciedade era inatingível perante a qualquer coisa.
Aproveitando a confusão, consigo fugir dos guardas. Escondo-me em um beco longe dali. Saio depois de algumas horas e, ao cruzar a esquina, me deparo com uma daquelas lojas de eletrodomésticos onde há televisões nas vitrines. Estava passando o noticiário local. Resolvo parar e tentar assistir. O noticiário começa a passar imagens do evento, da tragédia e tudo mais. Até que, em momento, aparece um sujeito sendo entrevistado sob a legenda de Ernõ Rubik e as imagens que se seguem mostram-no segurando o cubo pelo qual cometi o crime. Não quero acreditar no que estou vendo. Eu não matei Rubik e, muito menos, impedi a distribuição do cubo maligno.
Sinto canos de metal encostando-se a minhas costas. A polícia me rende. Levo uma cacetada na cabeça e adormeço.
Acordo em uma cama com o maldito cubo em meu colo. Sem esperanças de mais nada. Só esperando o fim de minha vida.

Pedro

Vitor

Raphael Salcedo

Rodrigo

Lucas Vieira

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Uma História de Vida

UM SONHO MAIOR






“Hoje, mais um ciclo se encerra em minha vida. Dia da minha formatura, quase tudo está perfeito, mágico. Somente quase, por que não sei como será o dia de amanhã, não terei mais a obrigação de ir à faculdade, não terei que responder as perguntas dos professores. Estou por minha conta. Mas o que eu quero? São tantos os caminhos a serem trilhados, há tanta coisa para se fazer. Pensarei nisso amanhã, hoje, comemorarei o início de uma nova história. Aproveitarei ao máximo minha formatura”.
O dia seguinte chegou logo e as incertezas da véspera retornaram.Deitada em minha cama, na casa de meus pais, olhava para o teto tentando desesperadamente encontrar uma resposta única para todas as dúvidas. De repente, de tanto olhar para aquele teto branco, calado, ressurgiu uma antiga idéia.
Desde nova, não me conformava com muitas das situações injustas que aconteciam no mundo, tanta fome, miséria, tanta desigualdade que me partia o coração ao mesmo tempo em que me fazia sentir culpada por não conseguir fazer nada a respeito.Pudera, eu, apenas uma menina, uma criança vislumbrando mudar o mundo. Diziam-me que era sonhadora, que devia colocar os pés no chão, que tudo aquilo era obra divina.
Cresci, decidi tornar-me médica, pediatra, um pouco de tudo.Porém, isso não bastava, ser médica em um bairro de classe alta de São Paulo, cuidar só daqueles que já têm de tudo não era para mim, não era essa vida que queria desfrutar.
Agora, chegamos ao ponto de partida da minha história. Recém-formada, devia tomar uma séria decisão, virar mais uma média capitalista, focando todo o meu trabalho para atender a classe que pudesse pagar pelos meus serviços ou fazer a diferença, isto é, ajudar quem precisa de verdade e não tem recursos para pagar por todo o conforto?
Diante de tantos pensamentos e questionamentos tomei coragem e acreditei em tornar realidade o sonho que eu tinha há algum tempo. Assim, aos 25 anos de idade, decidi fazer aquilo em que acreditava. Despedi-me dos meus pais e amigos, derramei lágrimas de saudade, medo e insegurança. Mergulhei fundo para realizar meu projeto.Fiz contado com ONGs internacionais, informei-me de como conseguiria tornar fato aquele meu pensamento.Comprei minha passagem, arrumei minha grande mala, estava tudo pronto.De lenço branco na mão, em meio a soluços e frio na barriga, rumei direto para a África, para ser mais específica, para a Eritréia, um dos países mais subdesenvolvido do continente, localizado no leste da África.
Havia decidido fazer a diferença, tentar mudar todo um continente, toda uma história de conflitos, exploração, miséria e abandono, não me interessava o tempo que gastaria, estava disposta a tudo.Pouco sabia sobre a cultura do país para o qual estava indo, mas não importava, ao chegar lá, colocar-me-ia a par do que fosse necessário. Nem imaginava o que veria, não podia prever que seria um quadro tão terrível de exclusão. Mal sabia o que devia esperar.
O avião chegou. Respirei fundo e desembarquei na África do Sul, o mais rico pais do continente africano, já que não há aeroporto em Eritréia. Um guia me aguardava para levar-me ao destino planejado.
Ao chegar lá, não podia acreditar naquilo em que via, não parecia verdadeiro. Era impossível uma região ser tão abandonada, tão indescritivelmente pobre. Animais magros, sem força. Pessoas sentadas no chão como se tentassem descobrir uma boa razão para se mexerem e fazerem algo. Era algo tão triste. Olhei para o outro lado e vi uma mãe, ao lado de um bebezinho, que não devia ter mais de um ano, ela chorava desesperadamente, estava enterrando seu filhinho. Uma lágrima grossa escorreu de meus olhos e minha vontade foi correr para tentar confortá-la, entretanto, quando comecei a andar na direção daquela mãe, alguém me segurou pelo braço.
Era o guia, que acenava negativamente com a cabeça para mim, como se quisesse me fazer entender que o que eu queria fazer era errado, como se aquela cena fosse natural. Caminhei junto ao guia até o local onde se encontravam os outros médicos voluntários. Esses eram de todos os cantos do mundo, americanos, noruegueses, italianos, franceses, japoneses, um mais diferente do que o outro, mas todos pareciam muito unidos.
O local assemelhava-se a uma cabana, feita de madeira, com várias camas, beliches. O chão não era azulejado, as paredes não eram pintadas, no máximo, três cômodas em cada canto, enquanto o quarto canto estava ocupado com uma pilha de roupas. Era tudo muito rústico. Não fosse pela quantidade de pessoas lá dentro, de quinze a vinte médicos, descreveria como um lugar abandonado.
Como era tarde, quase sete horas da noite, fomos dormir, tinha que estar bem disposta no dia seguinte para ajudar aquele país. Coloquei meu pijama, deitei no beliche de baixo, ao lado de uma médica holandesa, fechei os olhos e lembrei da cena que havia visto assim que cheguei à Eritréia. Tentei afastar aquela imagem da minha mente, mas era impossível, aquilo já estava em mim, fazia parte da minha história. Falei para mim mesma que deveria ser forte, assim como a supervisora havia dito, não podia fraquejar agora, o mais difícil já havia feito, já tinha tomado coragem para me afastar dos pais, agora era só respirar fundo e fazer o que meu coração dissesse: melhorar a vida daquele país, para depois ir para outros.
No dia seguinte, levantamos às 5 horas da manhã, colocamos nossos uniformes, comemos alguma coisa que ainda tinha na sede da ONG e no dirigimos ao centro do país. Demoramos aproximadamente uma hora para chegar lá.A situação era pior do que a que descrevi assim que cheguei ao país, meu leitor, se isso é possível. Lá, o chão parecia mais seco, os animais e pessoas mais magros, já não pareciam ter muita fé na vida. Homens tentando cuidar de suas famílias, mães tentando zelar por seus filhos, crianças tentando ser crianças. Engoli o nó na garganta e segui os veteranos. Um deles pediu para que as mães trouxessem os pequenos, demos leite com vitaminas para todos eles, pegamos amostras de sangue para analisar. Logo depois foi a vez das mães e depois dos pais. Brinquei com alguns deles, esperava conseguir retirar-lhes um sorriso, o mais singelo que fosse, não tinha sido daquela vez. Não pudemos ficar muito tempo por lá, tínhamos muitos outros lugares para ir, muitas outras pessoas para ajudar e alimentar, medicar, cuidar. Nossa sorte foi que no dia anterior o carregamento de alimento, roupas e remédios havia chegado, dessa forma pudemos dar uma atenção melhor aos morados de lá.
E assim fizemos por vários dias, até que o caminhão que trazia tudo o que era necessário não chegou, não sabíamos o porque da demora, só sabíamos que não tínhamos como cuidar de todos com aquilo que havia no estoque da sede. Como escolheríamos quem tratar? Quem alimentar? Muitos estavam seriamente doentes, precisavam tomar medicações diariamente, caso contrário, poderia ser fatal. O que fazer? Isso já acontecera antes com esses médicos, mas o caminhão sempre chegara no último instante, agora não, a demora já era longa demais. Aquela população dependia de nós, dependia da ajuda dos outros, dependia de um caminhão que vinha de fora.
Saí da sede, gritei o mais alto que pude, precisava entender, precisava mudar aquilo, rezei com toda a fé que ainda tinha no meu coração. Se o Deus que sempre acreditei existisse ele iria me ajudar, ele iria me dar forças para continuar e faria o caminhão chegar o mais rápido possível! Atrás de mim veio uma das médicas, a Cindy, ela era americana, estava lá há pouco mais de um ano, tinha ido contar-me que, por um milagre, no momento em que os médicos já se preparavam para avisar a população de que eles estavam de mãos atadas, o primeiro caminhão chegou e, em seguida, os outros. Nem me preocupei em perguntar por que haviam demorado tanto, abracei-a e corremos para a sede, por dentro eu chorava como um bebê, agradeci por meu Deus ter atendido aquela súplica, aquele grito de desespero. As pessoas ficariam felizes. Quem sabe eu não veria um sorriso?
Fomos direto para todos os lugares, dar a medicação para os mais doentes e alimentos para todos. Tivemos que ser rápidos, pois, devido à demora do caminhão, estávamos muito atrasados, talvez não desse tempo para passar em tudo. Corremos, suamos, mas deu certo. Fomos dormir mais de uma da manhã, e acordamos no horário de sempre, às 5 da manhã. Bom, na verdade, leitor, eu acordei antes, tinha separado alguns livros que encontrei em uma sala lá da sede, que funcionava como biblioteca, e fiquei lendo para entender mais sobre a África e para tentar achar o motivo de tanta miséria, de tanta desigualdade, quem sabe assim, eu não conseguiria de vez mudar o rumo da história.
Ao voltar para a sede às oito da noite, tomei um banho, comi alguma coisa e fui para o quarto, deitei-me no beliche, virei para a parede de madeira escura e terminei de ler a história daquele povo. Aproveite para ler um livro que, em uma dessas visitas aos centros de pobreza do país, havia recebido de uma senhora muito velha, ela disse que não o soltava por nada, era equivalente a um talismã, disse estar entregando o livro para mim, pois tinha me visto brincando com as crianças e sentira que eu realmente estava lá para mudar o rumo da vida deles. Falou também para eu não me desgrudar do livro, pois ele era mágico, mas que eu devia descobrir como usá-lo sozinha.
Abri o livro, eram apenas gravuras, nada de especial, não tinha palavras mágicas. Era um conjunto de desenhos infantis, eram lindos, podia imaginar várias crianças com potes de tintas se divertindo em frente a uma folha de papel. Foi bom imaginar tudo isso. Entretanto, isso não me fizera parar de pensar em tudo o que eu tinha lido anteriormente. A África vivia bem, não tinha fronteiras, países, era tudo uma coisa só, era formada por tribos que lutavam pacificamente pelo território, não havia derramamento de sangue, nem miséria, fome ou desigualdade. Eles eram felizes. Você, meu leitor, meu amigo, deve estar se perguntando a mesma coisa que me perguntei ao começar a ler toda uma pilha de livros, por que essa situação tinha mudado? Como isso tinha acontecido, quando?
Os brancos entraram na África, essa é a resposta, vieram com seus interesses capitalistas, precisavam de mão-de-obra, precisavam de matéria-prima, precisavam investir capital em algum outro lugar em benefício próprio, claro. Invasão! Ninguém pediu licença aos africanos, eles simplesmente entraram, vasculharam, compraram, induziram os negros a abrir as portas de seu território. Manipularam, fizeram-nos de gato e sapato, abusaram, extrapolaram, tudo para suprir os próprios interesses, para encher os bolsos de dinheiro. Dinheiro à custa do sangue de inocentes e do sofrimento de quem não merecia!
1884. Conferência de Berlim, Partilha da África. Se já não tivesse bastado toda a intromissão no território alheio, os países europeus, que se julgavam poderosos e superiores aos outros, se reuniram em uma sala, em Berlim, para poder decidir com que parte do continente cada um ficaria! Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal, todos juntos em uma sala, decidindo de quem seria o quê. Esses países poderosos mal se importaram com os africanos, dividiram o território ao gosto deles, tal qual ao interesses deles. Tudo planejado, tudo comandado pelo bolso daqueles chefes de estado!

-Eu queria voltar no tempo e evitar essa maldita reunião!
Adormeci agarrada ao livro. Acordei assustada, estava atrasada para ir com o grupo distribuir a medicação, esfreguei os olhos, pulei da cama e não sabia onde estava. Minha roupa já não era a mesma com a qual tinha dormido, o livro continuava em meus braços. As pessoas pareciam sérias, estavam arrumadas. Evidentemente já não estava, na Eritréia, muito menos na África. Perguntei a um cidadão onde estava, fiquei boba com o que ouvi como resposta: estava em Berlim, era 1884. Havia voltado no tempo! Mas como?
Não sabia responder, só podia estar sonhando, belisquei-me várias vezes, porém, apenas consegui, com isso, deixar uma marca roxa em meu braço. Meu modo de falar também estava diferente, combinava, agora com o linguajar da época.
Se havia voltado no tempo, e se tinha ido parar bem na cidade e bem no ano em que a Partilha da África ocorreria, era só por uma única razão: devia tentar impedi-la.
De alguma forma tinha dinheiro no meu bolso, entrei em uma loja masculina e comprei um traje. Arranjei um lugar escondido para me trocar e disfarcei-me de homem. Fui direto para o tal palácio e me apresentei como um dos funcionários encarregados de servir os chefes. Encaminharam-me para uma sala, me explicaram o que teria que fazer e quando deveria entrar na sala, me deram uma bandeja com copos d’água e de vinho.
Todos haviam chegado. A reunião começara, era hora, tinha que entrara para servir-lhes a bebida. Não podia mostrar nervosismo, nem agir como mulher, pois com a sociedade machista da época, não me aceitariam lá, como de costume. Respirei fundo, coloquei o livro dentro do terno e fui, passo a passo, sem fazer barulho até a sala onde seria decidida a ruína de um povo inocente. Trinta e cinco passos foram necessários para que eu adentrasse a sala, distribuí os copos e as bebidas, posicionei-me em um dos cantos. De onde estava podia ver o mapa africano, réguas e compassos, estavam loucos discutindo sobre aquele continente, todos queriam usufruir o máximo que conseguissem. Não passavam de burgueses capitalistas sem coração!
Aquela cena fez o meu sangue subir, uma raiva descontrolada tomou conta de meu corpo, joguei a bandeja no chão e comecei a dizer que a reunião não passava de um erro, que eles não passavam de pessoas mesquinhas.Disse tudo o que aconteceria com o povo daquele continente que tentava distribuir entre uns oito países! Eu gritava furiosamente, subi na mesa e arranquei o mapa da mão de um dos chefes de estado, todos me olhavam como se eu fosse louca, já tinha percebido que tinha sido imprudente, estava enrascada, mas não importava, continuei a gritar, prossegui com o meu discurso e com os meus argumentos. Nada do que e dizia parecia estar fazendo com que eles mudassem de idéia, pelo contrário, estavam ficando irritados e chamaram os seguranças para me tiram de lá. Gritei o mais alto possível que aquilo era um erro, meus pulmões já estavam ficando sem ar, tinha gastado minha energias, comecei a chorar em cima da mesa, o chapéu que cobria meu cabelo comprido caíra, fazendo com que descobrissem que eu era mulher. Foi a gota d’água, dois seguranças levantaram-me pelos braços e, por ordem de um dos chefes, começaram a me levar para algum lugar muito escuro. Tentei me soltar, juntar minhas forças para voltar àquela sala e continuar gritando com aqueles velhos capitalistas!Porém, não tinha mais forças para lutar, nem para gritar. Tinha falhado. A África ia sofrer tudo outra vez e era minha a culpa. Mais lágrimas escorreram de meus olhos. Não tente se colocar no meu lugar agora, caro leitor, o caminho até a sala escura, para a qual os seguranças me levavam, pareceu-me longo demais, demorado demais para ser percorrido. Não tinha mais nada a fazer. Desistia.
Ao chegar esse ambiente escuro que mencionei, olhei para o rosto de um dos seguranças e percebi que ele olhava fixamente para mim. Olhei para o outro, e este estava preparando uma arma, uma espécie de escopeta ou fuzil, colocara a bala e apontou para mim. Era meu fim, iria perder minha vida por tentar salvar todo um povo que não merecia ter a vida sofrida. Fechei os olhos e desejei estar de volta na minha cama, lá na sede.
De repente, todos os sons sumiram, tudo se apagou. Uma mão tocou meu braço, abri os olhos, assustada. Era Cindy dizendo que eu estava atrasada. Respirei aliviada, não passara de um sonho. Nunca tinha voltado no tempo. Peguei o livro que a senhora havia me dado, e coloquei-o de lado. Enquanto me arrumava, percebi que algo brilhava em sua capa. Aproximei-me dele para enxergar melhor e pude ver, acredite se quiser, meu leitor amigo, que havia uma bala presa nele. Não acreditei no que via. Magia? Será que o futuro aos sonhos pertence?
Um novo dia começava para mim e para o povo pobre de Eritréia...

Ariane Grilo dos Santos

Giulia Carolina Cuoco Di Renzo

Dyego Yamaguishi

Guilherme Nishina Fortes

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Assim caminha a humanidade

Assim caminha a humanidade




12h09min Washington, 20 de janeiro de 2009

Àquela hora, nada mais existia. Lágrimas de sangue escorreram pelos seus olhos. Olhos aqueles que jamais haviam derramado gotas, agora ardiam. Misturadas, as luzes daquele sombrio memorial faziam com que o negativo da sua vida fosse rodado, numa fina película, facilmente esquecida, superada pela dor. O Carrara frio o convidava. Já sobre seus joelhos fez a coisa mais impensável de sua existência. Orou. Não por ele, mas pela humanidade. Então, acabou por aceitar o convite. As cores se fundiram, e, sob aquele novo prisma, finalmente enxergou.


11h59min Washington, 20 de Janeiro de 2009


Sobre a cidade, esquadrilhas enfeitavam o céu com as cores da bandeira. As ruas, paradas. Um aspecto festivo tomara conta de seus habitantes, portadores de faixas cujos dizeres eram dos mais nacionalistas. Fogos azuis, vermelhos e brancos explodiam, sinalizando o início da posse.
Dentre as duzentas mil pessoas que se encontravam no National Mall, diante do Capitólio, cerca de quatro mil soldados cuidavam de assegurar uma corte de políticos internacionais. Agentes do FBI observavam cada um dos movimentos ao redor daquele picadilho.
Contudo, a dois quilômetros, uma fresta dava passagem a um cano. Com o indicador ciscando o gatilho e mira pronta, ele suava, como se uma tempestade de emoções o tivesse atacado, mesclando idéias absurdas e sentimentos. Respirou fundo, pensou em seu futuro, ou passado, a essa altura já não tinha mais tanta certeza, e deu uma última mirada. A faixa presidencial era transmitida. O ponto certeiro na cabeça do negro rapidamente desapareceu, ensurdecido pelo deslocar de ar de um projétil e, em seguida, pelos berros da multidão. O homem se levantou, tinha sido mais rápido do que pudera imaginar. Largando a arma para trás, correu em direção ao outro prédio.

05h38min Washington, 20 de Janeiro de 2009


Caído sobre o asfalto ainda quente, um homem de estatura normal e rosto particularmente belo, acordava. Levantou-se como se já soubesse o porquê de lá estar. Obstinado, pegou sua maleta de couro e seguiu o caminho que lhe fora traçado por seus superiores, e, como se usasse um cabresto, não ousou observar a estranha paisagem.
Retrocedera quase um século. Porém, a redução no tempo parecia não o ter afetado em nada, conforme imaginado. Era incrível como algo tão simples conseguira andar através da quarta dimensão com tanta facilidade. Mesmo o homem se surpreendera. Os novos humanos eram realmente inacreditáveis. A angulação em forma losangonal dos feixes de fóton havia feito a diferença. Desta vez, quando uma partícula entrava na área, não seguia mais o movimento dianteiro no espaço-tempo, como acontecia nas formas elípticas, mas seguia a direção inversa, graças à distorção de massa por parte dos lasers dentro da máquina, que fizeram com que o tempo transcorresse rapidamente para o passado.
Seguiu seu caminho pela gelada cidade. Um esboço de crepúsculo surgia, mas ele permanecia inalterado. Manteve seu curso. Parou na Avenida Lincoln 202. O obelisco, em silêncio, reinava na paisagem que já começava a se mostrar agitada. Algumas pessoas abriam as portas de suas casas e iam em direção ao parque. Sentado na mureta de um pequeno prédio de tijolos ingleses de quatro andares, e esperava a oportunidade certa para adentrar. Sua missão lhe dizia para subir até o último andar, apartamento 401.
Jamais havia se perguntado a razão de ter sido o escolhido. Afinal, havia mais mil soldados à disposição assim como ele, que nem fora o mais brilhante deles. Mas isso não importava naquele momento, estava apenas esperando a hora em que o dono do apartamento sairia para o desfile.
Sua missão era relativamente simples: entrar no apartamento, preparar seu rifle, matar o novo presidente na hora da troca de faixas e fugir. Estava tudo em suas mãos.
Para sua classe social, explicações não eram comuns. Todavia, nesta missão elas lhe foram dadas. Mesmo assim, ele não refletiu sobre, não era a sua função. Mas ele não podia esquecê-las, era impossível não se lembrar de seu superior, um novo humano absurdamente grande e de ações tão truculentas quanto seu físico, recitando os motivos e a importância daquele assassinato.
Em geral, mudanças no tempo não eram cogitadas. Suas características eram improváveis, mas uma mudança no Caos era certeira. Foram anos de cálculos e teorias na procura da mudança mais positiva para a humanidade.
No final do século XXI, o panorama humano era deprimente. Após a Terceira Grande Guerra Mundial, a civilização se tornou quase escassa. Todas as metrópoles do planeta foram evaporadas, áreas enormes se tornaram inabitáveis, 1,5 bilhão de pessoas morreram diretamente, seis bilhões morreram de fome, doenças ou falta de água potável, migrações nunca antes vistas acorreram e apenas a elite financeira conseguiu sobreviver.
A 3a GM teve como causadores as duas potências da época, EUA e China. Com a entrada do presidente Barack Obama no poder, os mercados foram fechados, fazendo a China perder milhões, causando um impasse internacional. O estopim foi o assassinato do embaixador americano em Pequim, virando o jogo contra os chineses. Ambas as nações se desintegraram, levando consigo seus aliados. Esta era ficou conhecida como a “Extinção”. Ela modificou toda a estrutura do planeta.
O clima chegou ao seu ápice de mudanças, tornando apenas os pólos habitáveis, extinguindo quase todas as espécies do planeta. Avanços tecnológicos foram freados, sendo retomados apenas duas décadas mais tarde, com a invenção da primeira Incubadora. A reprodução começou a ser totalmente assistida: os fetos eram gerados dentro dessa máquina, permitindo que seus crânios não tivessem o tamanho limitado, tornando-se, assim, maiores e mais inteligentes. A clonagem também se tornara comum, uma vez que a população humana se recusava a ter trabalhos rotulados como “indignos” pela sociedade, foram concebidos os clones, seres idênticos aos humanos, mas sem raciocínio lógico tão aguçado.
Novamente, criaram-se castas: os clones, verdadeiros trabalhadores da sociedade; os humanos, formadores das classes médias e, os novos humanos, a elite intelectual e ditadora. A camada inferior desta pirâmide era projetada para não pensar, apenas obedecer, sem jamais questionar ou rebelar-se. Para tal, não era estimulada, vivia em um mundo platônico e alienado. Era nesse mundo que aquele homem se encontrava.
O assassino acordou de seus pensamentos e se lembrou de seu objetivo, eliminar Barack Obama e restabelecer a ordem no mundo futuro. Tinha ordens de eliminar qualquer um que se mostrasse obstáculo ao ato. Concentrou-se.



10h10min Washington, 20 de Janeiro de 2009


Nas ruas, centenas de famílias se encaminhavam para a celebração. O fluxo cada vez maior parecia não ter fim. Nunca antes na história americana um presidente fora tão aclamado e, portanto, tão transformador do futuro. Sua morte era necessária.
O homem olhou seu relógio novamente, estava na hora. Levantou-se e caminhou em direção à porta. Ao mesmo tempo, um garoto começou a correr em sua direção. A sua frente, um cão sem coleira, em disparada. Compenetrado, não notou os dois, pelo menos até a hora em que foi arremessado ao chão. Levantando-se, rapidamente, nem ao menos olhou para o garoto, que se desculpava. A porta permanecia fechada. Ele suspirou, mas viu que algo estava errado. A hora marcada acabara de passar e o morador não havia saído. Relógios atômicos não atrasam, pensou ele, mesmo com a viagem no tempo, a sua marcação deveria permanecer a mais precisa. Algo saíra errado.
Tratou de observar os edifícios ao redor. O tempo passava e o morador continuava em seu apartamento. Decidiu não arriscar. Durante o período em que ficou na fachada, viu que o prédio do outro lado da rua, quase idêntico ao alvo, estava vazio. Todas as oito famílias haviam se retirado, pelo menos assim esperava. Não titubeou, mudou de calçada e entrou no edifício. Subiu até o quarto andar. Pelo corredor, foi escutando as paredes, o número 401 não apresentava qualquer sinal de vida. Com um chute, arrombou a fechadura e adentrou normalmente no recinto. A vista não era exatamente a mesma planejada, mas o assassinato ainda poderia ser realizado.





11h23min Washington, 20 de janeiro de 2009


A fresta da janela era pequena, por volta de uma polegada, mas o suficiente para passar o cano de sua Snipper futurística sem que pudesse ser observada de longe pelos seguranças do governo. O homem se aproximou da fenestra, observando a festa aos seus pés. Nada passava por sua cabeça, não havia pensado no que aconteceria após sua saída do apartamento 401 do 202 da Avenida Lincoln. Que morreria... bem, isso era certeza. Não existiam modos de voltar para o futuro e os agentes americanos cedo ou tarde o encontrariam. Mas não se importava, era o que lhe tinham mandado fazer, e era isso o que deveria fazer.
Em meia hora, o então presidente George Bush deveria subir ao palanque, juntamente com o seu substituto, essa era a hora de agir.
Sentou-se em uma cadeira e ficou observando a multidão.


11h53min Washington, 20 de janeiro de 2009


No momento em que os dois políticos apareceram, a multidão veio abaixo. Enquanto a bandeira era içada, ele sentiu que era hora de agir. Colocou a bala que deveria ser certeira dentro da cartucheira, preparou sua arma. Deu uma última olhada na redondeza para certificar-se, porém o inesperado aconteceu. No prédio em frente ao seu, a poucos metros, uma arma de longo alcance como a sua estava em posição e mirando para o centro das festividades. Desesperou-se. Nunca em sua vida se imaginou em situação tão crítica. Se fosse um agente, ele não teria tempo de disparar, seria morto antes. Se fosse outro assassino, não poderia deixar essa tarefa nas mãos de alguém que pudesse errar e tudo arruinar. A pressão se tornou insuportável. Ele mirou em Barack Obama e fechou os olhos.




12h01min Washington, 20 de janeiro de 2009


Os degraus da escadaria de madeira em espiral do prédio pareciam inexistentes. O homem saltava de um patamar para outro em uma velocidade surpreendente. Não acreditava que havia cometido tamanho erro. Ele errara. Havia fechado os olhos no momento mais crucial. Era um clone morto, disso já tinha certeza. Mas primeiro precisava fugir do homem do outro prédio, encurralá-lo e se vingar. Ele arruinara sua vida. Era seu momento de glória, coroado seria. Não lhe importava o rótulo de assassino, por dentro ele saberia que tinha feito uma das maiores mudanças da humanidade. Agora, essa idéia se desfizera. Em vez disso, na sua cabeça só existia a vingança.
Ao sair da construção, correu pelas ruas empunhando uma arma muito compacta. Segundos após, ouviu a batida de uma porta. Era ele. Ambos corriam em altíssima velocidade pelas ruas ainda desertas. O homem mirou para trás sem olhar e disparou. A resposta foi imediata, mas nenhuma bala os atingiu. Atravessando o gramado do parque, deram de cara com um enorme mausoléu.
O Lincoln Memorial é uma construção neoclássica inspirada no Templo de Zeus, em Atenas. Com mais de quinze metros de altura e cinqüenta de comprimento, é todo feito em mármore. Aberto 24 horas por dia, e com arcadas triunfais, era um convite para a entrada dos dois.
Parando bruscamente, o clone se arremessou ao chão, em meio a uma saraivada de tiros. Apontou a arma para aquele que havia arruinado sua missão e disparou, desta vez, certeiramente. A bala atravessou o peito do homem, que instantaneamente caiu, ficando impossibilitado de reagir.
Ele se levantou, chegou mais perto daquele monstro que o fizera perder a vida, com a arma engatilhada, e se deparou com a coisa mais assombrosa que poderia imaginar: no chão, estatelado sob seus pés, se encontrava ele mesmo.





12h07min Washington, 20 de janeiro de 2009


O sangue de seus pulmões agora encharcava sua boca. Caído ao chão, observava o homem que arruinara sua missão de pé, sobre ele. Mesmo não conseguindo distinguir sua face, pela sua expressão, notava o horror estampado. Aquele homem, por uma fração de segundo, tirara-lhe a oportunidade de cumprir com seu destino. Mas não era tão ruim, ao menos ele o tinha atingido também. Mesmo que não houvesse percebido, tinha sido marcado pela morte. Ele fizera tudo como lhe fora ordenado: o apartamento, a entrada sorrateira, os horários, tudo. Só lhe faltou apertar o gatilho um segundo antes. Já fora. Sua última imagem foi a de seu inimigo ajoelhando. Desse momento em diante, as cores desapareceram.


12h10min Washington, 20 de janeiro de 2009


Como se uma cortina branca cobrisse seus olhos, ele se deitou ao lado do morto, ou melhor, dele mesmo. Nada via, porém tudo sentia. Aquele homem que sempre fora tratado como um ser não pensante pelos seus superiores sentiu suas emoções correrem. A imagem dele mesmo morto era horrível. Sentiu enjôo. Sentiu a morte se aproximando. O tiro tinha lhe acertado as vísceras, era só questão de tempo para morrer. Como esforço final, debruçou-se cegamente. Mergulhou o dedo no sangue, e escreveu, sob os pés da grandiosa estátua, em linhas quase sobrepostas, o próprio epitáfio:

“Aos grandes homens, sangue é derramado
Sangue nosso, peões deste tabuleiro chamado destino.
Os grandes homens querem mudar o mundo
Mas o destino é imutável.
E pelas mãos deles morri.
Porém o difícil não é morrer,
Difícil é viver a vida e seu ofício.”
Victor Waller D. Sadalla

A vela não se apagará.

Da esquerda para a direita; do canto superior ao inferior: Foto modificada pelo jornal The Sun,mostrando suposto beijo entre Diana e Dodi; foto verdadeira tirada por fotógrafo; A princesa em Angola,caminhando em defesa da desativação das bombas terrestres;Cortejo fúnebre em 31 de Agosto de 1997;Diana no elevador do Ritz horas antes de morrer; Grupo papparazi em frente à academia freqüentada por Diana. Ao centro: pintura de Joe Hendry ‘Diana com penteado para trás’

30 de dezembro de 2008 - São Paulo, Brasil

Lúcia sentou-se incrédula diante da barrinha de notícias da televisão. O cérebro computou como inverossímeis as palavras que os olhos míopes captaram. Saiu à procura dos óculos e sentou-se, tremendo, na borda da cama. As lentes confirmaram o que seu coração adiantou. O telefone tocou. Imediatamente, em inglês, um de seus amigos mais antigos falou, demonstrando nervosismo também:
- Lúcia, você soube da notícia?
- Sim. Mais uma vez eles estão sofrendo. Não sei mais como isso vai continuar. Ela não está aqui. Não pode desmentir esses absurdos. São tantas “Amizades íntimas” que aparecem, tantas notícias confirmadas por “amantes” e publicadas na mídia, que fica difícil para eles defenderem a mãe. Eram tão novos quando tudo aconteceu!
- É por isso que eu liguei. Acho que temos a solução. Porém, precisamos de você aqui.
- Eu? Voltar?
- É uma maneira. Pense em William e Harry.
Lúcia Flecha de Lima desligou o telefone ansiosa. Voltaria para a Inglaterra? Estava curiosa com a ligação.
A última vez que esteve naquele país foi há um ano, na missa de aniversário de morte da princesa. Ficou apenas um dia e voltou. Nunca mais olharia a Inglaterra com a ternura e a alegria de antes.
A amizade começou em 1991, quando o casal real fez uma viagem ao Brasil acompanhado por Lúcia e o marido, embaixador do Brasil na Inglaterra. A partir de então as duas tornaram-se grandes amigas. Diana era considerada parte da família e mesmo depois de separadas, quando o marido de Lúcia foi transferido para Washington, não deixaram de se falar. Lúcia sabia de como Diana sofreu após o casamento, com a mídia sempre articulando planos para difamar seu nome e a família real fazendo de tudo para afastá-la dos filhos.
Lembrou-se do acidente. Duas lágrimas rolaram em seu rosto, mas ela não se importou. Começou a arrumar as malas. Era por Diana que fazia isso. Por Diana e pelos meninos.
Outro livro publicado. Dessa vez, pelo pai de Dodi Al- Fayed, ex- namorado de Diana, ambos mortos no acidente de carro. Lúcia não entendia por que Mohamed Al- Fayed, rico como era, lucraria escrevendo um livro assim, que só traria à tona lembranças, mentiras e sofrimento para as pessoas, principalmente aos filhos da princesa. Ela era conhecida como a princesa do povo. Por que as pessoas insistiam em alterar essa imagem?
Lúcia foi recebida no aeroporto por John, o amigo que ligara. Sem dar explicações, conduziu-a a um carro, que seguiu até um lugar que Lúcia nunca tinha visto, totalmente novo e moderno.
- Aqui estamos desenvolvendo um projeto de uma máquina do tempo. Ela já está pronta. Queria voltar e mudar a história. E a primeira que eu gostaria de modificar é a de Diana. Quero que você me ajude a lembrar o que exatamente ocorreu nos dias anteriores à viagem. Conte-me alguns detalhes para que eu possa salvar Diana do acidente. Nós precisamos dela aqui. Sei que isso é doloroso para você, mas é importante.
John deixou Lúcia no Hotel. À noite ela se lembrou dos momentos que passaram juntas. Sentiu vontade de rever a amiga, que fazia tanta falta. Levantou-se decidida e chamou o táxi, que a conduziu até o local do projeto.
Entrou sem que ninguém a visse e aproximou-se da máquina. Usou da sua experiência de conferências internacionais de ciência e o seu inglês fluente para entender o que cada um daqueles botões significava. A saudade foi o maior impulso. Fechou os olhos e respirou fundo. A volta no tempo renovou esperanças e ilusões.

29 de agosto de 1997 - Londres, Inglaterra.

Lúcia apareceu no quarto de hotel. Olhou a janela. Estava frio e a noite escura. Porém, um dos postes iluminou um vulto que ela reconheceu pelas roupas, iguais às que ela usava agora. Correu para a porta do quarto e ganhou o corredor. Um encontro com a outra Lúcia só tornaria as coisas mais complicadas. Escondeu-se no hall de entrada, esperando que a outra passasse. Chegando à rua, abriu o bolso e pegou as moedas. Tremendo, inseriu-as na cabine e discou o número que ainda lembrava de cor. Do outro lado da linha, Diana atendeu um tanto nervosa. Lúcia não teve coragem de responder ao telefone. Diana insistiu, dizendo, de repente:
- Lúcia?
Assustou-se. Como ela adivinhara? Deu uma risada. Esquecia-se de como Diana era misteriosa às vezes. Olhou o relógio. À esta hora, já tinha conversado com ela, portanto nada do que dissesse faria diferença no futuro. Pediu que não viajasse para Paris, mas Diana insistiu, dizendo que precisava ficar fora da Inglaterra por um tempo. Depois da separação, não queria mais andar com seguranças. Queria, mais que tudo no mundo, aquela liberdade que perdera depois do casamento. E Dodi, segundo ela, fazia-a sentir-se segura e livre. A amiga implorou que reconsiderasse, mas Diana foi firme. Pela primeira vez sentia-se feliz por estar com alguém que a amava e que, diferente do ex-marido, a tratava com respeito.
Lúcia desistiu de convencer Diana sobre o erro que cometia. Ao se despedir disse o quanto a amiga era especial e que a amizade era eterna.

30 de agosto de 1997 - Paris, França.

Lúcia não hesitou em aproveitar a oportunidade de mudar o destino de sua amiga, e resolveu viajar a Paris. Só conseguia pensar nas últimas horas de vida da amiga e de como iria mudar isso. Lembrou-se do que ela fizera pelos outros e pelo mundo,quando arriscava sua vida para desmistificar tabus e preconceitos quando ela mesma sofria de muitos. Podia sentir a nostalgia se espalhando em cada músculo do seu corpo, e percebeu a responsabilidade do que ela realizaria em algumas horas. Muitas coisas mudariam se isso desse certo. As colinas da Inglaterra voltariam a florescer!

O tempo passava e Diana saiu do Hotel Ritz cercada de “paparazzis”. Lúcia não teve tempo de esboçar nenhum plano, não agiu ao ver sua amiga ao lado de um homem que realmente a fazia feliz. Perdida na visão que tanto presenciara seus sonhos nos últimos anos, não percebeu que Diana entrava no carro a caminho de sua morte. Procurou desesperadamente um táxi, qualquer meio que a fizesse alcançar a princesa e impedir o acidente, porém ninguém podia ajudá-la, ninguém imaginava o que estava prestes a acontecer. Viu o carro abandonado de um dos paparazzi que correu de moto atrás da princesa. Abriu a porta, girou a chave. Acelerou. Seu coração não agüentava mais tanta pressão. Ultrapassou as motos que corriam atrás do carro. Sentia o pulsar de suas veias, a adrenalina enchendo seu coração. O ódio por aquelas pessoas dominando seu pensamento. Diana olhou para trás, assustada com a quantidade de motos que se multiplicavam. Diminuiu: tinha consciência de que o destino estava sendo escrito e que tinha como apagar e reescrever. Estava fazendo a curva para fechar as motocicletas, para salvar sua amiga e talvez morrer. Parou.

31 de dezembro de 2008 – São Paulo, Brasil

Não estava mais em suas mãos. Foi mandada de volta para o futuro. Ninguém tem o direito de alterar a harmonia do tempo e do cosmos. Se impedisse os paparazzi, Lúcia sofreria um grave acidente e seria socorrida. Sua identidade seria revelada e teria de ser explicada sua semelhança com a embaixatriz brasileira Lucia Flecha de Lima, que àquela hora estava em Londres.
Era doloroso. O choro era inevitável. Porém, perdendo sua melhor amiga pela segunda vez, compreendeu que não podia ser diferente. Talvez fosse melhor não viver num mundo de lobos carnívoros e loucos que sacrificam vidas em troca de fotografias banais.

“Há 11 anos, Diana era apenas uma princesa. Agora é uma lenda. Lendas nunca morrem, sempre permanecem nos corações dos que amam, como uma vela que nunca se apagará, não importando a chuva ou o vento que surja.”
Lembrou-se, então, da linda canção tocada por Elton John no funeral, que mobilizou toda uma nação às ruas e cuja protagonista mudou o mundo e todo um sistema comportamental da monarquia, contestando-a, mesmo fazendo parte dela.
“Adeus, Rosa da Inglaterra
Que você sempre floresça em nossos corações.
Você foi o encanto que colocou a si mesma
Onde vidas foram dilaceradas.
Adeus, Rosa da Inglaterra,
Do país, perdido sem sua alma,
Que vai sentir falta da proteção da sua compaixão,
Mais do que você jamais saberá.”
Carolina
Ana Carolina
Helena
Maria Paula

domingo, 14 de setembro de 2008

O JOGO



- Anda, Allan, acorda!
- Tô indo, mãe!
Nesse dia Allan demorou a se levantar, mal sabia ele o que tinha sucedido a noite passada, só sabia que havia sido algo fantástico, inexplicável.
- Vamos Allan, você tem que ir à aula!
- Não estou com vontade...
- Olha meu filho, eu sei que está sendo difícil para você, esta sendo para todos nós, mas não podemos deixar de viver.
Era esta a vontade que Allan sentia. O clima em sua casa, situada à rua John Locke, 101 em São Francisco, estava péssimo desde que seu pai falecera, há pouco tempo. Allan não pode ver nem sequer os restos mortais de seu pai pois este fora carbonizado. Ele estava em batalha, pela segunda guerra mundial, morrera em nome da pátria. Allan lembrava – se até hoje da morte de seu pai, tinha apenas 14 anos na época.
- Papai, quando você volta ?
- Logo, filho
- Não vá!
- Tenho que ir, ou irei preso.
- Então fuja, vamos fugir todos nós!
- Meu filho, há coisas que você só vai entender quando crescer, agora de cá um abraço...
Desde esta época Allan crescera, tinha agora 17 anos e estava no ensino médio. Allan era um garoto alto, magro, tinha os cabelos ruivos e os olhos claros. Todos diziam que ele era parecidíssimo com seu pai, exceto os olhos verdes que herdara de sua mãe. Joane era uma mulher muito calma e distinta, mas que também não se conformava com a morte de seu marido, embora tentasse parecer muito forte na frente de seu filho.
Allan levantou, ainda confuso com o que acontecera a noite passada, más foi tomar café. Dirigiu – se a cozinha, que era grande e bem colorida como gostava sua mãe, lá havia uma mesa onde Joane encontrava – se sentada, ele sentou – se e talvez sua mãe tenha falado alguma coisa, mas ele não escutou de tão pensativo que estava sobre a noite passada...
- ...às 3h passo na tia Guida....Allan ! Você esta me escutando ?
- Desculpe mamãe...
- O que houve ?
- Nada não mamãe, foi só um sonho ruim
- Sonhou com o que ?
- Depois eu falo, se não perco o ônibus para a escola...tchau!
Não era do costume de Allan mentir para sua mãe, mas hoje o fez pois não sabia como contar o que aconteceu. Quando estava saindo, não sabia porque mas sentiu muita vontade de dar um abraço e sua mãe...e foi deu um abraço bem apertado.
De fato, Allan quase perdeu o ônibus. Quando entrou a confusão era tanta na sua cabeça que mal falou com seus amigos que estavam sentados na frente, foi logo falar com seu amigo Ronald.
- Oi
- Oi Allan, tudo bem ?
- Tudo
- Você esta como uma cara esquisita, o que houve ?
- Aconteceu uma coisa muito sinistra hoje a noite cara
- Me conta!
Ronald era o melhor amigo de Allan, então ele decidiu contar tudo o que houve :
Foi a noite, eu não estava conseguindo dormir de jeito algum, quando escutei um barulho esquisito no meu armário. Fui ver o que era e quando abri havia lá um jogo que eu nunca tinha visto, só tinha uma coisa escrita na caixa: “O JOGO”. Pensei que era um jogo novo que minha mãe havia comprado, então fui jogar. Quando eu estava indo jogar, dei de cara com a foto do meu pai, fiquei muito mal e pedi muito a Deus que o trouxesse de volta, mesmo sabendo que não era possível, mas acho que ele tentou me atender.
- Como?
- Calma, você já vai entender, voltando, armei o jogo e era um jogo do tempo, tinha que jogar um dado e ele iria cair em algum ano, caiu em 1919.
Foi ai que algo extraordinário aconteceu, uma luz verde saiu to tabuleiro e me envolveu todo, eu comecei a rodar no ar e...
- Allan, você estava sonhando!
- Não Ronald, foi real, foi muito real! Aconteceu mesmo...
- Más...
- Calma, deixa eu terminar !
Eu continuei rodando no ar, como se estivesse em um tornado, porém verde, quando...BAMM! Eu cai com tudo em um chão, não doeu e nem era na John Locke! Eu estava muito assustado, quando olhei para os lados e vi que estava em um jardim, enorme, e que aos fundo havia uma casa branca e enorme. Havia vários seguranças em um portão enorme. Foi nesta hora que olhei bem e percebi onde estava, eu estava na Casa Branca !
- Wau! Allan, tem certeza que não estava sonhando ?
- NÃO! Foi realidade, pura realidade !
- Continua...
- Agora não! Chegamos, vamos temos que descer.
Ronald mal podia acreditar no que estava escutando, até achou que fosse brincadeira, mas havia muita convicção no modo com que Allan falava. Os dois desceram e entraram, foram ter com alguns amigos, mas nenhum dos dois estava realmente lá, estavam em ontem a noite.
Aquelas aulas não passavam nem para Allan nem para Ronald, eles não viam a hora de chagar o intervalo, Allan para contar e Ronald para escutar. Enfim o intervalo chegou, os dois foram para o pátio e Allan continuou a contar sua história :
- Onde parei mesmo ?
- Você percebeu que caiu no jardim da Casa Branca!
- Sim, eu cai lá e fiquei desesperado sem saber o que fazer, então decidi falar com um dos seguranças que estavam no portão:
- Senhor,por favor, o que esta acontecendo ?
- Senhor ? Você esta me ouvindo ?
Não, ele não estava me escutando e também não me via ! Era como se eu fosse um fantasma! Então eu toquei nele, ele desviou apenas como se algum mosquito estivesse pousado nele. Foi quando eu vi dois homens passarem conversando rapidamente, muito elegantes. Fui seguindo eles e escutei o que eles diziam :
- Estou dizendo, Jon, isso vai acabar gerando mais conflitos!
- Pode até ser, mas o presidente não esta disposto a voltar atrás!
Os dois homens entraram na Casa Branca, eu entrei junto com eles, lá dentro é magnífico, mas isso não vem ao caso, escutei o que eles falavam:
- Este tratado de Versalhes ainda vai causar uma outra guerra, pode acreditar !
- Janeiro de 1919 acabou uma grande guerra, para começar uma maior ainda!
Nesta hora eu parei, paralisei, petrifiquei. Agora eu tinha entendido o que estava acontecendo, o porque estava lá, o tratado de Versalhes de 1919 !
- Não consigo entender...
- Pense, Ronald! Lembra da aula de história ? O que foi o tratado de Versalhes? Lembra ?
- Sim, foi o que marcou o fim da primeira guerra, mas também foi decisivo para que ocorresse a segunda...Claro !
- Entendeu? Era por isso que eu estava lá, para impedir que este tratado fosse assinado e que ocorresse a segunda guerra...e se não fosse a segunda guerra, meu pai estaria vivo !
Nesta hora bateu o sinal, os dois foram para a classe. Allan contava sua história com uma convicção, e também uma tristeza, Ronald que não sabia o que pensar antes,. agora não sabia nem o que falar ao seu amigo.
As horas que se passaram foram muito maçantes para ambos, eles queriam que a hora passasse logo para que Allan continuasse narrando. Quando o sinal da última aula bateu, mal se despediram de seus amigos e dirigiram – se logo a um parque que ficava próximo ao colégio.
- Conta, Allan, depois que você descobriu porque estava lá o que fez ?
- Decidi, eu iria impedir que o tratado de Versalhes fosse assassinado, custasse o que custar !
Continuei seguindo os dois homens, e descobri que quem iria assinar o tratado era o presidente Woodrow Wilson, então era fácil, só precisaria achar o presidente e como ninguém poderia me ver não seria difícil. Continuei atrás deles, até que eles encontram uma mulher, muito elegante, ela diz aos dois:
- Estou indo a encontro do presidente, ele vai assinar o tratado em alguns minutos.
Foi então que comecei a seguir esta mulher, ela subiu várias escadas e então chegou a um andar muito deserto, exceto por um agente do FBI que estava parado a uma porta enorme ao fim de um corredor muito extenso com vários quadros. A moça chegou a porta cumprimentou o agente, bateu na porta e entrou.
- Com licença Sr. Presidente, esta tudo pronto, em breve o Bill chega com o tratado para ser assinado.
- Obrigado, Chloe.
Os dois continuaram a falar, e eu cada vez mais nervoso, meu coração batia freneticamente, alguma coisa me dizia que eu só teria uma chance, então me surgiu uma idéia que me pareceu boa na hora, quando o tal do Bill entrasse eu rasgaria o papel que selava o tratado...
- TOK TOK TOK
- Entre, Bill
- BAMM
Eu tinha ido para cima de Bill, derrubei–o, ele assustou-se, então eu peguei o papel...o papel, aquilo era um papel, só um papel que poderia ser refeito 100 vezes se necessário. Petrifiquei novamente, a única coisa a se fazer agora passava pela minha cabeça, teria eu coragem ? Teria ! Era não só pelo meu pai mais por centenas de milhares de vidas, confesso que não pensei muito nas vidas na hora e sim no meu pai.
- É POR VOCÊ PAPAI !
Levantei-me num gesto brusco, passei por cima de Bill e fui correndo em direção ao corredor, olhei para o agente, e vi o instrumento que precisava em sua cintura, sim, era uma arma, fui com tudo e dei um soco na cara do agente, ele ficou desnorteado pois não me via, então dei um golpe em sua nuca que o fez desmaiar, peguei sua arma que mal agüentava carregar, entrei novamente na sala em que os três estavam tentando entende o que aconteceu, levantei a arma com esforço, diretamente para a cabeça o presidente.
- Não faça isso !
Quem disso isso? O presidente! Sim agora eles podiam me ver! Apertei o botão de controle, uma luz vermelha acendeu e mirou direto na cara do presidente , agora era só puxar o gatilho e estava feito, meu pai estaria de volta, meu coração estava a mil, eu estava tremendo, suando frio, todos olhando para mim , fiz força para apertar o gatilho e.....
- TAFT !
Deixei a arma cair no chão, logo senti novamente a luz verde e eu estava no ar voando de novo embaraçado pelo tornado...
- BAMMM!
Olhei para os lados e eu estava novamente à rua John Locke, em casa.
- Meu Deus, então você....
Ronaldo parou de falar, Allan estava chorando.
- Calma Allan, já passou !
Nem Ronald sabia o que dizer, estava pasmo, horrorizado, não sabia o que pensar. Achara antes que havia sido um sonho de Allan, más o modo com que ele contara tudo.....
- Eu fracassei, Ronald, eu tive a chance de trazer meu pai de volta e não consegui, fui covarde
- Não ! Você tentou ! Se não conseguiu a culpa não é sua, onde quer que seu pai esteja...
Ronald até deve ter falado alguma coisa, mas Allan não escutou, tudo o que passava na sua cabeça é que ele fracassara, era culpa dele o pai não estar de volta...Se pudesse voltar atrás....Claro, iria jogar de novo, iria voltar pra casa e voltar no tempo novamente e desta vez não erraria! Sem dizer nada a Ronald Allan levantou-se como um trovão e saiu correndo com tudo para casa, Ronald saiu correndo atrás dele.
- Para onde você vai ??
Allan nem escutou, corria freneticamente, não olhava par lugar nenhum, só pensava em chagar muito rápido á rua John Locke, quando escuta um berro de Ronald:
- ALLAAAAANNNNNNNNNNNNNNN !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Allan parou bruscamente , olhou para o lado e....
O enterro de Allan fora em 15 de novembro de 1941, junto com o de sua mãe Joane.
Ronald não se conformava com a morte de seu amigo, na sua frente, a dois dias atrás, atropelado por um ônibus, tão pouco entendia que a mãe de Allan tivera um enfarto e morrera também ao receber esta notícia.
E assim estava, as pessoas que Ronald mais gostava na vida depois de sua família mortas, Ronald sentiu vontade de morrer também, só para não sentir o que estava sentindo. Foi tudo tão rápido, se Ronald estivesse segurado Allan...Se ele pudesse voltar no tempo...CRAFT ! Um barulho no armário, começou a se sentir feliz, uma ponta de esperança, abriu com tudo o armário e encontrou lá, uma caixa em que as únicas palavras escritas nela eram: “ O JOGO “.

Alex

Gabriel

Guilherme Pitta

Tese da morte



A arqueologia e a história baseada em evidências sempre me fascinaram. Após sucessivos exames de seleção e uma tese de doutorado, consegui uma vaga no centro de arqueologia do Egito que estudava as tumbas de um dos maiores faraós dessa sociedade milenar. Tudo começou naquela tumba.A quinta câmara do centro de pesquisas possuía, em suas paredes, hieróglifos diferentes dos clássicos alfabetos egípcios; e historiadores locais julgavam uma informação que dificilmente seria descoberta. Em minha opinião faltou-lhes ousadia: os hieróglifos poderiam ir além do Egito, além do que o pensamento lógico poderia deduzir. Anos de estudo em cima dessas escritas permitiram-me concluir que os hieróglifos continham contextos históricos muito à frente da data compreendida entre o início e a queda do Antigo Egito. Naquela câmara encontrei a chave para alterar o tempo e o espaço – um ritual que me levaria a qualquer lugar ou circunstância. Dentro do grande salão dos sacerdotes do faraó, iniciei o ritual de maneira secreta. A junção das palavras místicas e um pequeno pedaço de carne do faraó desencadearam uma série de rachaduras esverdeadas no chão, e algo intuitivo me fez pular contra ele. A grande escuridão que se iniciou, acabou por me levar aos pés de uma árvore de um extenso jardim. Ao abrir os olhos, notei o que estava ao meu redor, de maneira nostálgica: estava no Rio de Janeiro, década de 80. Foi algo incrível, uma sensação única. Analisei o novo momento histórico, para enfim colocar em prática minha tese de doutorado. Era uma oportunidade de provar que o governo Tancredo Neves seria um sucesso e que seus frutos tornariam o Brasil de 2008 uma grande potência mundial. Estava sem dinheiro, mas em meu bolso havia o remédio que poderia salvar Tancredo que, segundo a data da minha viagem, estava a poucos dias de ser internado e em breve morreria . Caminhei rapidamente até sua residência, e pelo caminho revivi meus 17 anos de idade, os carros, as pessoas e roupas realmente mudaram. Ao chegar à sua residência, bati levemente no batente e aguardei. Uma senhorita me atendeu com certa desconfiança, no entanto, depois de alguma conversa permitiu-me a entrada e esperei pelo futuro presidente, tomando café.Passada meia hora, entrou pela porta frontal Tancredo que, assustado com minha presença, indagou-me o que fazia em sua casa. Como falar que tinha vindo do futuro seria extremamente surreal, disse ser um médico enviado por sua esposa, para tratar de suas dores abdominais. Após alguns exames fictícios em meu suposto paciente, prescrevi o remédio que havia trazido em meu bolso. O remédio retroagiria sua doença antes que ele chegasse a um estado terminal.Após a consulta conversamos por uns instantes, durante os quais Tancredo ingeriu o remédio. A conversa foi genial. Entender a sua política partindo de suas próprias palavras era um sonho para mim. De repente, ele começou a ficar avermelhado. Sua respiração ficou ofegante e seu corpo transpirava exageradamente. Rapidamente chamei uma ambulância, apesar de não fazer idéia do que se tratava. Porém, quando a ambulância chegou, Tancredo já estava morto devido a um ataque alérgico letal. Tentar ajustar o passado em prol do futuro havia sido um terrível desastre. No dia seguinte, quando confirmada sua morte nos noticiários, tratei de realizar o ritual para voltar a 2008 .Chegando ao presente imediatamente, destruí todos os meus estudos e a parede hierografada. Essa viagem ensinou-me que o passado é, por definição, tudo aquilo que já não pode ser mudado. O passado é tudo que já não é.

Alessandra Martins

Augusto Quaresma

Joele Teodoro

Henrique Fernandes
Rafael Marques

sábado, 13 de setembro de 2008

O retorno naufragado

Era o ano de 1908. Lembro muito bem a chegada daqueles japoneses que iriam arruinar minha vida.

Ao chegar do Japão para o trabalho, uma simpática família despojada de pais veio morar conosco para cuidar dos nossos negócios. De início, tudo correu bem. Keiko, a mais nova dos três irmãos, e eu nos apegamos profundamente. Ela me contava coisas do seu país, da sua vida anterior à mudança, da trágica morte dos pais, da amizade com os irmãos. Todos os seus segredos eram confiados a mim e a recíproca era verdadeira. Era uma grande amizade!

Meu pai, um homem muito hospitaleiro, tratava muito bem Akemi. A jovem e bela japonesa também era gentilíssima e todos se davam bem. Com o tempo, porém, passei a perceber um certo carinho maior entre meu pai e Akemi. Yamada, o mais velho dos três irmãos, era mais fechado. As vezes, no jantar, nem se sentava à mesa e poucas vezes se rendia a grandes conversas. Era muito sorridente, porém igualmente calado.

O tempo foi se passando, e as famílias se fundiram. Não parecia mais haver diferenças entre os japoneses e nós, descendentes de franceses. O carinho e a dedicação com a qual tratávamos aquela família eram os mesmos que dispensávamos entre nós e com eles não era diferente, meus pais já haviam se tornado quase pais para eles. Pelo menos era no que eu e Keiko acreditávamos.

Porém, um dia, uma terrível verdade se abateu sobre nós. Estávamos em meu quarto brincando, quando ouvimos fortes gritos vindos da cozinha. Nos assustamos, e corremos para o corredor tentando averiguar o que poderia ter acontecido. Minha mãe esbravejava contra Akemi que, soluçante, parecia sem saber o que fazer.

Foi então que chegou meu pai, defendendo Akemi com unhas e dentes, acusando minha mãe das mais variadas alucinações. Keiko e eu ouvimos um forte estouro, seguido de gritos agonizantes de meu pai. Entramos correndo pela porta e vimos Akemi caída, toda ensangüentada, com meu pai lhe beijando a boca, já inerte. Foi então que entendemos: meu pai e Akemi se amavam! Aquela fusão familiar acabara sendo maior do que o esperado e minha mãe, enfurecida, matara a sua rival.

Logo em seguida, meu pai recolheu a arma derrubada no chão e atirou em seu próprio peito, em um ato de desespero romântico, de amor perdido.

Yamada entrou na cozinha logo em seguida. A cena o horrorizou mortalmente, e eu nunca mais vi um sorriso naquele rosto jovem. A polícia havia sido chamada pelos vizinhos e minha mãe foi presa e condenada, para morrer meses depois de desgosto.

Foi então que minha vida acabou: foi determinado pela justiça que, pela desgraça ocorrida a eles, Yamada e Keiko também teriam direito à minha herança. Eu teria então que viver com eles, ser criada por Yamada até atingir a maioridade e ter a independência necessária para prosseguir sozinha a minha vida. Que inferno minha vida se tornaria! Minha pequena amiga Keiko há muito já estava com uma grave doença, e pouco tempo depois partiu para junto de seus pais e irmãs, me deixando com seu amargurado Yamada!

Porém, Keiko havia me ensinado muitas coisas, segredos desconhecidos até por seus irmãos, passados diretamente a ela por uma tia-avó quando ainda morava no Japão. Entre eles um miraculoso chá que Keiko jurava dar poderes de controlar o tempo: com ele eu poderia viajar pelo passado ou futuro para poder ter conhecimento de fatos, tentando mudá-los ou não.

Após o funeral de Keiko, Yamada e eu voltamos à casa. Lembro-me bem do seu olhar de ódio e ressentimento para mim!

- Escuta! De hoje em diante não me dirijas mais a palavra. Tratava-te bem para não afligir a pobre Keiko, mas já que nada me resta, não desperdiçarei meus modos ao fruto dos destruidores da minha vida!

Como chorei naquela noite! E em todas as outras, por vários anos, até a tardia morte de Yamada. Ele nunca mais me dirigiu a palavra, nem o olhar. Eu era sua empregada, que fazia também serviços para fora para garantir algum sustento, ele já não trabalhava mais...

Hoje, passados vários anos daquela sucessão de infelicidade em minha vida, ainda guardo rancor pela raça nipônica. Se a família nunca tivesse colocado seus pés no Brasil, minha vida não teria sido arruinada!

Tomei então a decisão! Precisava testar se o tal chá era real ou apenas uma travessura de Keiko. Eu ainda tinha a receita, sabia que tinha! Vivia solitária, na mesma casa de toda a minha vida. O quarto de Keiko fora conservado desde a sua morte, com a receita do chá escondida em um canto.

Naquela noite tracei meu plano: iria retornar ao Kasato Maru, e fazer com que ele jamais chegasse à minha terra.

Preparei o chá. Uma aura mística emanava daquele vapor. O medo de tomá-lo tomava conta de mim, mas a determinação era mais forte.Tomei a largos goles. Senti-me estranha, com tonturas e enjôos.Sem nem perceber direito, meus pés me guiaram até minha cama.. e eu adormeci. Quando acordei, senti uma brisa diferente no rosto e ao abrir os olhos a surpresa, estava no maldito navio! Só faltava agora um plano, qualquer coisa que me ajudasse a sabotar a chegada do navio.

Após muito pensar, caminhando para perto da proa ouço uma conversa muito interessante:

-Motor quebra ?

Os japoneses já estavam tentando se habituar ao português! É verdade que ainda não eram muito fluentes, mas percebi no tom de voz o medo com relação ao funcionamento do motor.

Era isso! Se eu quebrasse o motor, eles provavelmente ficariam vagando nos mares, pois o rádio estava quebrado e seus outros meios de comunicação também. Corri para o porão. Os olhares me perseguiam, mas não me importava com isso. Só pensava em uma coisa, apenas uma.

O motor fazia um barulho infernal! Como eles suportavam viajar com aqueles estampidos e rangidos? Não me importava, iria quebrá-lo de qualquer forma.

Peguei a maior quantidade de ferramentas que minha mão suportou, e disparei a atacá-lo! Os barulhos foram diminuindo e por fim findaram.

Me dei por satisfeita, o trabalho estava feito! Aqueles malditos amarelos jamais chegariam à minha casa para desgraçar a minha família! Saí do porão mais leve, feliz!

Foi então que um japonês atarracado veio falar comigo:

-Moça! Bela moça! Obrigado ? Não sabemos como agradecer sua ajuda! Heroína misteriosa! Se não fosse sua ajuda jamais chegaríamos ao nosso destino, ? Obrigado Obrigado!

O chão se abriu aos meus pés, ao invés de quebrar o motor, eu o havia consertado! Não entendia mais nada, será que eu estava predestinada a sofrer?

Sem rumo, saí andando pelo navio com raiva de tudo, nada mais parecia ter sentido! Quando avistei a cidade me senti trêmula e desmaiei. Ao acordar, parecia que havia dormido uma eternidade e me encontrava na minha cama escura e fria, cheia de decepções, dúvidas e frustrações, que talvez eu nunca mais superasse.

Dandara

Fernanda

Fernando

Juliana

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Um artigo.

Este é um artigo escrito pela Ruth de Aquino, colunista da Época. Foi publicado em Novembro de 2007 (sim, faz um tempinho já).
Ela faz uma crítica do livro da Mônica Veloso: "O poder que seduz".Vale a pena ler pela ironia e as frases bem-humoradas.



"Um livro escrito nas coxas. Mas que coxas.


Mônica Veloso, 39 anos, com o bronzeado e o corpão que conquistou o senador Renan Calheiros, parecia tudo – menos uma escritora – no fiasco do lançamento de seu livro O Poder que Seduz, num restaurante de São Paulo, na quarta-feira à noite. Com um vestido verde-bandeira longo e esvoaçante, decote profundo, laçarote às costas, brincos de brilhante de R$ 60 mil, anel de brilhantes de R$ 70 mil, cabelos à moda de princesinha, penteados para trás com ajuda de laquê, Mônica Veloso (desculpe, não dá para chamar de jornalista) parecia estar num baile. Preparou-se para enfrentar a fila de autógrafos. Mas, não havia fila. Só flashes e imprensa. Quem comprou o livro “sobre os bastidores de Brasília” foi um bando de cupinchas. O advogado de Mônica, o dentista, a designer das jóias, a comadre, a amiga citada na página tal, o cineasta amigo que vê em Mônica uma atriz nata. Três horas após o início do lançamento, 10 exemplares do livro “explosivo” de Mônica tinham sido vendidos. O que torna no mínimo curiosa a informação “oficial”: segundo assessores, 104 exemplares teriam sido autografados no restaurante Trindade, no bairro de Itaim-Bibi, onde a especialidade é frigideira de polvo a R$ 22. Convidados e, principalmente, jornalistas consumiram 20 garrafas de espumante e 800 salgadinhos, entre eles 200 bolinhos de bacalhau.
Agora, Mônica tem quem fale por ela: assessora, agente, empresário, assessora de empresário, e departamento de marketing. Na véspera do lançamento, a pressão era tanta que Mônica estava no hotel, de cama, com “uma virose”, segundo Lu, a chefe das assessoras. O livro foi escrito muito rapidamente. Pelo texto final, pode-se concluir que foi escrito “nas coxas” (e que coxas). Tudo para vender no Natal, segundo Mônica. Quando uma repórter quis saber se esperava vendas expressivas, ela exclamou: “Deus te ouça! Tenho duas filhas para criar!”. O livro custa R$ 34,90, e é publicado pela Editora Novo Conceito. Até a página 117, Mônica descreve Brasília como se fosse uma colegial adolescente, e fala de seu sucesso na TV Globo como “a musa do Planalto”. Cita Clarice Lispector sem a menor cerimônia. As observações de Mônica têm, no mínimo, pouca complexidade: “Gente é coisa que às vezes não se vê em Brasília. Ao menos se locomovendo sobre as pernas”. Ou: “Quando você se deixa levar pela energia da natureza, percebe a religiosidade sussurrante que viaja com o vento de Brasília”. E ainda: “No começo, Brasília não tinha voz, alma ou sentimento, pois vivia em uma arte alienígena, em um olhar estrangeiro sobre o que ela ainda não era, mas deveria ser”. E então?
Essa primeira e alentada parte do livro, tão injustamente ignorada pela grande imprensa, revela muito de Mônica. Revela, por exemplo, por que a ex-amante de Renan considera o auge de seu resgate moral ter posado para a Playboy. É verdade. Está ali seu verdadeiro talento, indiscutível. E que lhe rendeu um cachê de R$ 400 mil. Mônica encerra o livro com uma cena emocionante: ela viu, na rua, que estava em duas capas de Playboy simultaneamente. A dela e a da edição especial de fim de ano. “Foi uma emoção confusa, êxtase e medo juntos”, escreve. Ok, mas ela estende sua emoção a todas as mulheres: “Só por ter dado uma injeção de amor próprio em minhas companheiras de sexo, o trabalho para a Playboy teria valido a pena”. Menos, Mônica, menos. O ensaio de nus também lhe trouxe “a possibilidade de ser ouvida”. “E mostrar meu caráter, minha cultura”. Assediada por jornalistas, elogiada por colunistas, Mônica caiu na armadilha. Começou a se levar a sério como “a mulher que abalou a República”. E resolveu escrever profissionalmente, coisa que nunca tinha feito na vida – ela só lia na TV o que outros escreviam.
Pela contracapa e pela orelha de “O Poder que seduz”, já se tem uma idéia da qualidade do conteúdo. É um amontoado de clichês de deixar constrangido qualquer leitor que não seja amigo ou parente de Mônica Veloso. Na contracapa: “Os tentáculos cor-de-rosa da sedução infiltram-se pelas relações. Lascivos, eles cingem o lobista e o político em um mesmo abraço, assim como entrelaçam jornalistas e parlamentares. A jornalista (sic) Mônica Veloso, bela e talentosa, viveu esse mundo intenso de anseios e sensações que permeia a vida na Capital da República”. Muito excitante. Ainda segundo a contracapa, Mônica deseja com o livro “semear o hábito da discussão entre os brasileiros”. Sobre a autora, a orelha a classifica de “jornalista, radialista e professora”. Ela seria precursora da tendência multimídia. “Ao mesmo tempo em que trabalhava na tevê (como apresentadora), Mônica se formou em jornalismo pela faculdade CEUB, apresentou programas de rádio, montou as primeiras lojas de ponta de estoque de grife em Brasília e ministrou cursos”. Um fenômeno. Nunca entrevistou ninguém. De acordo com a orelha, “Mônica montou também uma produtora de vídeo que atuou intensamente em marketing político”. Isso deve ter dado à morena o know-how para ter casos com políticos influentes.
Na capital, até hoje, é chamada por conhecidos de “alpinista social”. Não ficou no meio da escalada. Contou com a ajuda inestimável do amante Renan Calheiros – chamado de “bobo” pela esposa Verônica. Foi Renan quem tornou Mônica conhecida no país, como “a gestante” de Maria Catharina, agora com três anos. Da primeira imagem de mulher fatal com óculos escuros no carro, em maio deste ano – quando estourou o escândalo das pensões pagas por Renan com ajuda de um lobista da construtora Mendes Júnior – até agora, Mônica já viveu bem mais do que 15 minutos de fama. Parece feliz. Vai ganhar um programa de televisão. Provavelmente de entrevistas. Ela diz que pretende se inspirar em Marília Gabriela.
O prefácio do livro de Mônica é assinado pelo psicanalista Luiz Cuschnir, “precursor do Masculinismo” (!!!). Ele pontifica não ser coincidência que “a palavra Poder é masculina e a palavra Sedução é feminina”. Daí em diante, ele desfia pérolas como “um amor desfeito tem o poder de uma bomba de alto potencial bélico”. E, em defesa de Mônica: “A mulher, quanto mais bonita, tem de ressaltar seu potencial cultural, profissional e ético, para não ser colocada no rol das que se aproveitam da beleza para galgar seu espaço como Ser em sua totalidade”. Muito apropriado para a autora. Sobre o romance com Renan, diz que Mônica “corria o risco de estar sujeita a um cativeiro emocional”. O psicanalista termina seu prefácio com um conselho: que a mulher admire o homem “como homem e não como um ser mágico e encantador, um príncipe que a libertará de um castelo que a protege do mundo malvado”.
Mônica reclama da “exposição negativa” e diz que, com o livro, quis dar a “versão verdadeira” do romance com Renan Calheiros. Compara seu livro aos Ensaios do nobre francês Michel de Montaigne em 1580, por misturar “notícias e comentários”. Na apresentação, Mônica escreve que o tom de seu livro é de “crônica, quase poesia”, seja lá o que significa esse novo gênero. Mônica diz que amou loucamente Renan. Mas, por precaução, gravou conversas com ele quando ainda estava grávida. O mais impressionante é o tom abertamente piegas do livro, não as revelações. “Música, perfume e um certo torpor. Champanhe na mão, conversávamos e sorríamos após o jantar (na casa do senador Ney Suassuna). Havíamos brindado por mais um ano, o intenso ano de 2002. Do jardim, apreciávamos a noite de Brasília, o céu riscado por fogos e luzes, miríades de cores e chuvas de prata abençoando a cidade”. É de doer.
Pelo livro, ficamos sabendo que Renan fingia que ia se separar, e que, no início do namoro, “ele estava meio gordinho, mas fez dieta”. Ficamos sabendo também que o casalzinho ia a festas, que Mônica era tratada “com deferência” no Senado, que para o Renan ela era “uma rosa única entre milhões de rosas”, que o presidente do Senado cantarolava “Eu sei que vou te amar” de noite ao telefone, e que queria pular carnaval de rua com ela na Bahia. A “música marcante” do casal era do filme Lisbela e o Prisioneiro – fácil saber quem era quem – e o refrão favorito: “agora, que faço eu da vida sem você?”. Mônica chamava Renan de “docinho”, “de tão meigo que ele era”, mas o senador entrou em pânico quando ela disse estar grávida. Mônica escreve que amou Renan “com a alma, com tudo que há de mais puro no meu ser”. A sensação é que os trechos mais sinceros de seu livro se referem aos do ensaio para a Playboy: “Na primeira foto em que apareceu o bumbum, o (fotógrafo) Duran vibrou com aquela visão de borboletas e flores em uma região tão íntima”.
O que Mônica pratica com esse livro é o que os ingleses chamam de “kiss and tell”. Uma prática de caráter duvidoso: revelar particularidades íntimas de um romance – e tentar ganhar dinheiro com isso. A editora acha que Mônica venderá 100 mil exemplares.
Todos nós, quando apaixonados, somos em algum momento patéticos. Depois de escrever tudo o que escreveu, Mônica deu entrevistas no lançamento dizendo, entre sorrisos posados e sob maquiagem pesada, que “respeita muito o Renan”. Ela se considera “muito reservada”, e por isso não quer expor a vida pessoal, em defesa de sua “privacidade” e a de suas filhas. Então, vamos combinar que acreditamos em Mônica e nos seus cílios imensos.
Minha avó chamaria Mônica de “lambisgóia” ou de “sirigaita”. Mas, minha avó não é mais viva, e, hoje, esses termos caíram em desuso. Então, digamos que Mônica é, como escreveu Arnaldo Jabor, “o único bem declarado de Calheiros, que apareceu de fato”. Nada de bois magros e fantasmas, nem cheques falsos ou rádios de laranjas. Uma mineira de carnes opulentas, que, ao fim do livro, constata “que a vida caminha mesmo em círculos”. Escreve a ex-amante de Renan no parágrafo final: “A essência que cada um carrega dentro de si, por mais sufocada que seja, florescerá um dia para iluminar nossas escuridões e varrer nossos medos, como o sol vermelho e o vento noturno do Planalto Central”. Você daria esse livro a quem de presente de Natal?"

Fonte:http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80265-9554-497,00.html

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Amarga decisão




Foi quando Gisele entrou na igreja que tudo começou. Aquele vestido branco, simples e belo. Bem como Daniela gostaria. Ela não vai sair da minha cabeça tão cedo. Melhor ir para casa. Tentar para de pensar nela. Parar de ver o casamento que deveria ser meu e dela. Cumprimento os noivos, invento um mal estar, digo que não deve ser nada grave e vou. Fui.

Em casa, tão desolado e tão culpado. Dúvidas que não me saem da cabeça me fazem demorar a dormir. Logo cedo desperto. Preciso parar com isso. Isso tem que passar. Tenho que apagá-la da minha vida, já faz mais de quarenta anos... A caixinha! Jogarei fora. Dentro dela acho, além das perfumas cartas de amor, o anel. O anel. Ele deveria estar no dedo dela e ela, aqui comigo. Vou vendê-lo. A relojoaria não é longe. Ao mostrar o anel, percebo a cara de espanto do joalheiro ao terminar de examiná-lo. ‘Que anel bem feito. É muito antigo. Não o venda, tenho certeza de que com ele vem uma história’. Lógico que existe uma história, mas conto para o joalheiro? Bom, que mal iria fazer?

‘No dia em que fui comprar este anel, minha futura esposa, Daniela, foi capturada pela polícia, minha culpa... Era época da ditadura. Horrível. Eles estavam atrás de mim. Sou jornalista aposentado. Apesar de usar pseudônimo, me descobriram, não sei como... Não sei como descobriram onde morávamos. Quando a vi sendo presa, não fiz nada, fugi. Fiquei apavorado. Foi tudo culpa minha. Fui covarde. Não tive nem oportunidade de lhe dar um último beijo. Ela foi no meu lugar. Quem deveria ter desaparecido era eu, não ela. ’ O joalheiro não parecia muito surpreso com a história, a impressão era de que ele já sabia de tudo aquilo. ‘Não o venda. Ele pode fazer muito mais por você.’ Simplesmente colocou o anel na palma de uma de minhas mãos e a fechou como quem dissesse: cuide bem disso. ‘Volte pra casa’.

Confuso, segui o conselho e voltei,desatento, olhando para o anel. Não sei o que o anel poderia fazer por mim além de me trazer as lembranças da minha vida com Dani. Ouvi um barulho. Quando virei para o lado, que susto! Tudo estava diferente. Mas, como assim? Olhei para as casas, os carros. Tudo antigo. Meu terno era outro, minhas mãos não estavam mais enrugadas... Eu voltei para aquele dia? Como isso foi possível? Continuei andando. Cheguei em casa, tudo estava como antes. Daniela!! Ai como é bom vê-la. Nada como um abraço bem forte e um beijo apaixonado, como senti falta disso... Tantos anos sem o meu amor. Disse para que ela se arrumasse, fizesse umas malas e as colocasse no carro, que iríamos fugir. Ela estava um pouco nervosa, ansiosa... acho que queria dizer algo ou simplesmente achou estranho eu estar tomando uma decisão tão séria sozinho, sempre decidíamos juntos o que iríamos fazer. Sem explicar nada, dei-lhe mais um abraço e corri para avisar alguns amigos que estávamos fugindo. Cheguei na casa de Flávio, mas ele não estava. Corri para a casa de outro amigo e só disse para que ele avisasse a todos.

Será que iria conseguir salvá-la? Tinha que dar tempo. Tinha que me casar com ela, é o amor da minha vida. Voltei correndo. Quando cheguei na esquina vi o carro da policia parado na porta de casa e Daniela sendo posta para dentro dele. O meu carro com a porta aberta, uma mala jogada na rua com umas roupas caídas. Então foi realmente minha culpa. Descobriram. Eu não estava em casa. Eu a havia mandado pôr as coisas no carro. Não acreditei! Sai correndo para tentar salvá-la. Não deu tempo. O carro já virara a esquina. Não! O que eu fui fazer? Pobre Dani! Sabe lá o que sofreu. Por culpa minha! Por alguns artigos. Pobre Daniela, nem sabia de nada.

Puis a mão no bolso e encontrei o anel. Choro. Desesperado, chorei. Nada mudou, perdi-a pela segunda vez. Agarrei-me a um lenço, que ela amava, caído da mala. Não consegui para de chorar. Respirei. Abri os olhos. Não!! Estou no meio da rua. Não estou mais em casa. Não estou mais no passado. Foi um sonho? Pior que não. Olho minhas mãos. O lenço dela encharcado de lágrimas. Isso realmente aconteceu. Não pode ser. Não posso ter causado isso. Estou com a mesma roupa. Quem sabe não há mais nenhuma lembrança dela que trouxe comigo. Um papel no meu bolso, parece uma carta. Tem a letra da Dani. “Beto, sempre fomos muito francos um com o outro, e chegou a hora de eu ser totalmente franca com você. Há uma coisa que escondo. Inicialmente era para ter certeza de que você era confiável, e depois era porque tinha medo de ser abandonada pela pessoa que mais amo no mundo. Sei que esse amor é correspondido...” E como é, Dani. “... e por isso tomei coragem, mas ela não foi o suficiente para falar pra você, por isso a carta. Faço parte do Partido Comunista, e participo de praticamente todos os eventos. A história da minha irmã doente é tudo mentira, a Paula também é do PC, quando eu dizia que iria visitá-la, na verdade ia a reuniões e manifestações... Por isso não queria que me levasse até a casa da Paula... Agora tudo começa a fazer mais sentido. “... Desculpe-me por não ter contado antes, mas mais do que nunca gostaria que você se mantivesse comigo, há suspeitas de que estão me perseguindo. Qualquer que seja sua decisão, continuar ou não comigo, eu entenderei. Só quero que você saiba que se eu estivesse no seu lugar, pode ter certeza de que estaria disposta a sofrer qualquer conseqüência, só pelo prazer dos dias que passo a seu lado. Te amo muito. Dani.” Não era só eu que escondia algo sério. Éramos do mesmo lado e tínhamos receio de contar a verdade um para o outro, medo de que o outro não nos aceitasse com nossos ideais. Cometemos um grande erro escondendo isso um do outro. Essa sim é a verdadeira causa da nossa separação... Se soubéssemos que a situação em que nos encontrávamos era arriscada, com certeza teríamos fugido antes. Fomos super-protetores, achávamos que estávamos protegendo enquanto, na verdade, estávamos nos deixando muito vulneráveis. Fomos dois tolos, cegos pelo amor incondicional que nos unia. Tomamos decisões erradas, que custaram a nossa felicidade.


Jéssica Emy Komuro
Julia Horcel Ribeiro
Maicon Santos
Paula Malavasi
Rafael Becarelli

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Epístola aos blogueiros

Fabrício Carpinejar


Nunca invejei Santo Agostinho pela sua salvação. Não conseguiria repeti-lo. Guarda-se a impressão de que ele quis se livrar da danação no ombro do Pai. Olhando de perto, ele foi mais corajoso do que conformista. Antecipou o inferno aqui. Não esperou para sofrer na outra dimensão. Pagou à vista o inferno. Converter não é encontrar Deus, é encontrar o inferno.

Blog traduz uma prova de resistência. Um big brother ao avesso dos gêneros literários. Ao invés de ser conhecido, corresponde a um mergulho adoidado no anonimato. Distinto da noção do senso comum de que se trata de um lugar para aparecer. O resultado final (a possível badalação de um endereço virtual) não expõe a realidade. Os exibidos foram antes tímidos, os extrovertidos foram antes introvertidos. É a mais dolorida experiência editorial. O mais severo teste vocacional. Uma ferramenta do diabo, capaz de sugar sua vida ou sua aspiração.

Indica a fronteira entre o amador e o escritor, entre o diletante e o renitente, entre o curioso e quem não consegue se afastar da compulsão narrativa. O amador cansará nos primeiros meses. Vai deduzir que não vale a pena o trabalho, que ninguém lê. Uma tortura postar textos durante três meses e não receber nenhum comentário.

São os quarenta dias do deserto, com as tentações sobrevoando o teclado.

"Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio e, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, teve fome" Mateus, versículo 4, 1:

Você pensou que aquilo seria a glória instantânea. Caprichou na redação, no humor e nas perspectivas singulares de captura do cotidiano. Mas o único que entra no site é você. Trinta vezes ao dia. Chega a esbarrar consigo entre tantos acessos e atualizações. Uma miragem. Cada texto é um quarto vago. O demo do reconhecimento insiste em tomar seu lugar. Procura contornar o drama. Manda um aviso de postagens para os amigos. Prepara uma festa-surpresa de aniversário, com o atrativo de que é o aniversariante quem a organiza. Continua sendo surpresa; nenhuma alma comparece. Daí manda um aviso de postagens para os desconhecidos, catando endereços aleatórios. Nada mais o separa de um SPAM. Recebe avisos ásperos: “não o conheço” ou “favor me excluir da lista”. A humilhação não começou. O desespero o obriga a fazer atos impensáveis: entrar de computadores diversos para fazer com que o contador se mexa de alguma forma. Assim como um atacante chuta a bola para as redes alheio á marcação do impedimento. Para se livrar do azar. Ainda que esteja quebrando uma das regras básicas do jogo e leve um cartão amarelo. Não há nem juiz para lhe dar cartão amarelo.

Percebe que lançou um texto com um erro gravíssimo de português. Estava na rua quando lembrou a indecisão ortográfica, longe de qualquer terminal. Foi observando um outdoor. Corre para uma lan house, consome seu suspiro sem sentir o gosto, arruma e conclui que tampouco alguém reparou.

Decide escrever qualquer coisa que continuará sendo qualquer coisa. O isolamento do blog produz alucinações. O contador de visitas parece uma bomba-relógio: anda para trás.

Mas tortura é quando finalmente recebe um comentário. Alegria aflita para abrir a janela, quem será? quem será?, descobre que partiu do pai ou da mãe, solidário com sua desgraça. Não pode comemorar, agora intui que seu pai ou sua mãe conhecem o fracasso de sua rotina.

Sua personalidade passará a se dividir, e não multiplicar como desejava. Sede de laranjas. Laranjas! Sem pudor, cria pseudônimos para deixar comentários (o blog, pelo menos, obriga que seja seu próprio leitor). Diverte-se no sofrimento ao inventar formas de agradecimento pelos textos. Não economiza elogios ao estilo. Estará perto da internação quando se convence de que aqueles comentários não são seus e ainda responde aos e-mails falsos. Hora do soro!

Depois de postar, o autor perde a privacidade para se tornar - teoricamente - domínio público. Mas não saiu do caramujo do quarto, e entenderá que escrever e ser conhecido não acontece simultaneamente.

Há a idéia equivocada de que todos os leitores do mundo estão esperando sua publicação, que basta acenar para a luz do sol que imediatamente será linkado, sugerido, alardeado. Ao deixar minha casa, não recebo nenhuma proposta sedutora no caminho. Nunca encontrei nenhum editor no metrô. O que me leva a constatar que o blog é o metrô da internet.

Escrever na rede é uma tentativa de suicídio, chamar atenção dos outros para a nossa carência. Um aviso escandaloso da nossa fragilidade. Pensando bem: publicar é um suicídio frustrado. Quando o ímpeto de sair da vida é usado para entender a própria vida e as dificuldades enfrentadas pelos demais autores.

Uma das virtudes do blog é justamente sua provação. Agüentar os contratempos no osso. Ver que não é um elogio que o fará continuar, muito menos uma crítica que o fará desistir. Que nascer para a letra é amar a insuficiência. O escritor se sucede progressivamente. Melhora. Estar sozinho é ainda estar povoado. Povoado por dentro. Pelos personagens, pelas histórias familiares, pela observação aprofundada dos seus arredores. Só quem foi fantasma um dia poderá alimentar seus fantasmas.

Procura-se um reconhecimento externo e encontra-se algo mais preciso: a afirmação pessoal na persistência. Procura-se lá fora o que já se tinha. Como diz Santo Agostinho:

“Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim.”

O esforço de sair da solidão ajuda curiosamente a fortalecê-la. Compreende que não escreve para completar um diário, ou para repetir sua história, se fosse assim não contaria com assunto para atualização semanal, mesmo que desfrutasse de uma trajetória acidentada e heróica como a de Hemingway.

Escreve para duvidar e se banhar na luminosidade da confusão biográfica. Acima de tudo, compreende que a imaginação não julga como a memória. Que imaginar é delicioso, imaginar: uma memória sem culpa.

Um texto postado é como um texto impresso. Mais fácil para localizar os erros, os tropeços, formar distanciamento. Confere uma maioridade na escrita, reforça uma postura profissional de jardinar e cuidar do verbo, de alterar a prosa e a poesia em nome da transparência e da fluidez. Há a formação gradual de uma assinatura, transmitindo uma visão de ser responsável por aquilo que se diz, de assumir honestamente as dívidas da boca. Organiza-se o rascunho, que é bem mais duro do que redigi-lo.

Não é fácil a rotina da blogosfera. Terá que superar vários fins, várias negativas, várias mortes. Superar a expectativa de fama pelo prazer do texto.

Por isso, o prazer necessita ser mais forte do que a dor. O masoquista é o que gosta mais do sofrimento do que da carícia. O blogueiro é o que esquece a ferida pela alegria.

A diferença entre guardar o inédito no blog e na gaveta: o blog é uma gaveta aberta.


[Publicado no caderno Cultura, do jornal O Estado de S. Paulo]


Fabrício Carpinejar é jornalista e escritor, autor de O Amor Esquece de Começar (Bertrand Brasil, 2006). E-mail: carpi@terra.com.br Blog: http://carpinejar.blogger.com.br ou www.carpinejar.com.br

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